Alberto Gonçalves – OBSERVADOR
A fotografia é um mimo. Dentro de São Bento
algumas deputadas exibem o rosto fechado (porque a hora é grave). Outras riem
desalmadamente (porque a gravidade é descontraída). Eu agradeço-lhes a coragem.
Acto I
O momento redentor da semana foi a fotografia,
ampla e merecidamente divulgada, de um conjunto de deputadas caseiras em
protesto. Dado que o protesto de parlamentares de partidos que ou estão no
governo ou influenciam o governo não faz muito sentido, as deputadas resolveram
protestar contra os acontecimentos internos de um país estrangeiro. No caso, o
Brasil. O facto de isso fazer ainda menos sentido não perturbou as senhoras,
que interromperam o expediente para posar para o boneco com slogans a recusar a
candidatura de um sujeito às presidenciais de lá, ao que sei legalíssima. Ou
seja, enquanto as autoridades brasileiras aceitam o sujeito, dúzia e meia de
ociosas portuguesas não pactuam com tamanho escândalo e desabafam através de
“hashtags” (uns gatafunhos precedidos por um “#”). Ignoro se, de agora em
diante, as ociosas tencionam emitir sentenças acerca de todas as eleições a
realizar no planeta. Se tencionarem, avisem que tem piada.
Aliás, tem imensa piada. A fotografia, a que
vale a pena regressar e que vale a pena contemplar, é um mimo. Dentro de São
Bento, presume-se, algumas deputadas exibem o rosto fechado (porque a hora é
grave). Outras riem desalmadamente (porque a gravidade é descontraída). Algumas
levantam cartazes. Outras não tiveram direito a cópia. Quase todas parecem
vestidas pelo costureiro dos UHF. Todas parecem estar ali de livre vontade. E
eu agradeço-lhes a coragem.
Uma pessoa dotada de compaixão perderia uns
minutos a imaginar a série de tragédias e equívocos que corroeram a vida de uma
infeliz a ponto de a deixar, aos 30, 40 ou 60 anos, naqueles preparos,
convencida da sua própria importância e de que segurar um papelinho com a frase
“#EleNão” é uma actividade compatível com a idade adulta. Mesmo para deputados,
a infantilidade é excessiva. À semelhança do que sucede nos acidentes aéreos, é
necessário que demasiadas coisas corram mal para se acabar assim. Dramas
familiares? Más companhias? Problemas clínicos? Cabe aos especialistas decidir.
Por sorte, não sou especialista. Donde prefiro
usufruir da fotografia do que lamentá-la. Numa época em que, à conta de
proibições e susceptibilidade, o “politicamente correcto”, ou, mais
exactamente, a cruzada moralista ameaça exterminar a comédia, exemplos de humor
involuntário como o referido não se devem desperdiçar. Se não as tomarmos a
sério, leia-se se não formos maluquinhos, a falta de noção de ridículo que as
tais deputadas demonstram é genuinamente engraçada, daquela escola do burlesco
que uma ocasião levou o falecido comentador Luís Delgado a exigir numa crónica:
“Basta, senhor Clinton. Demita-se!”. Só não são impagáveis na medida em que
lhes pagamos os salários.
Acto II
O sr. Trump discursou nas Nações Unidas e
lançou uma bazófia que motivou alguns risos na sala – inclusive o do próprio –,
seguidos de alguns aplausos. As rotativas, figuradas, pararam num ápice:
segundo a generalidade dos “media”, o mundo riu convulsivamente do sr. Trump.
Não importa que, no caso, “o mundo” se resuma a umas dúzias de diplomatas
obscuros. O que importa é mostrar que “o mundo” partilha o exacto desprezo pelo
sr. Trump que leva certos jornalistas com agenda e comediantes sem talento a
torcer impecavelmente a informação até obter o efeito desejado (os engajados
não gostam de se engajar sozinhos).
De qualquer modo, a verdade é que a
assembleia-geral da ONU se encheu para assistir ao sr. Trump e, no dia
seguinte, se esvaziou para não assistir ao prof. Marcelo. Talvez os diplomatas
receassem, em vez da galhofa anterior, ser esmagados pela densidade intelectual
do nosso estimado presidente e arranjarem, no mínimo, uma hérnia. Fizeram bem.
Como nós sabemos e os estrangeiros pelos vistos suspeitam, o prof. Marcelo já
costuma exibir uma retórica riquíssima em clichés e vacuidades. Em Nova Iorque,
então, a solenidade do momento e a sala repleta de moscas inspiraram-no a
reforçar a dose, numa lengalenga profunda a que não faltaram o
“multilateralismo”, a paz, as “alterações climáticas”, os refugiados, o eng.
Guterres, a igualdade de género, o sr. Mandela e os oceanos. Foi muito bonito.
E um aperitivo para o encontro ao mais alto nível com o presidente do Palau,
que o mundo não pára, leia-se não pára de rir do sr. Trump. E os portugueses
riem ainda mais, mesmo que não saibam do quê.
Acto III
Um sorteio, como nas rifas, enxotou o juiz
Carlos Alexandre do processo do “eng.” Sócrates. Convinha que a Justiça
definisse um rumo, a bem dos cidadãos. Falo, em particular, dos cidadãos que,
ainda há meses, julgaram que o caso estava perdido e desataram a confessar na
imprensa a traição que o “eng.” Sócrates lhes infligiu. É verdade que, após
longos anos a defender a seriedade do homem contra as “cabalas” da praxe, a
mudança estratégica caiu um nadinha aos trambolhões. Entretanto, porém, já nos
habituáramos à ideia de que as namoradas, as viúvas, os discípulos, os
simpatizantes e outros companheiros de luta do Menino que Sonhava com
Ventoinhas haviam de facto sido iludidos e nunca sonharam nem com ventoinhas
nem com as incontáveis falcatruas de que o Menino é alegado autor. Agora, lá
terão essas pobres almas que rever novamente o texto e provar à humanidade que
sempre estiveram ao lado do Menino, um génio, um santo e o maior estadista a
alguma vez ter frequentado um apartamento do amigo Carlos. Ao trabalho, minha
gente.
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