Passos diz que se escondem "os verdadeiros
motivos" para a não recondução de Joana Marques Vidal
Ex-primeiro ministro responsável pela
nomeação de Joana Marques Vidal elogiou trabalho da procuradora-geral. E deixa
criticas a quem decidiu não a reconduzir.
Pedro Passos Coelho - OBSERVADOR
20/9/2018
Não houve a decência de assumir com
transparência os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez disso,
preferiu-se a falácia da defesa de um mandato único e longo para justificar a
decisão.
Senhora procuradora-geral da República
Dra. Joana Marques Vidal
Agora que, sem surpresa, se assiste à
decisão do senhor Presidente da República e do Governo em a substituírem nas
suas funções, não renovando o seu mandato, é chegado o momento de lhe prestar
tributo público de reconhecimento e admiração pelo mandato ímpar que
desempenhou à frente da Procuradoria-Geral da República.
Nestes anos de mandato, que a
Constituição determina poder ser renovável, entendeu quem pode que a senhora
procuradora deveria ser substituída. Não houve, infelizmente, a decência de
assumir com transparência os motivos que conduziram à sua substituição. Em vez
disso, preferiu-se a falácia da defesa de um mandato único e longo para
justificar a decisão. Uma vez que, como referi, a Constituição não contém tal
preceito, e é público que um preceito desta natureza, há anos defendido pelo
Partido Socialista, foi recusado em termos de revisão constitucional, sobra
claro que a vontade de a substituir resulta de outros motivos que ficaram
escondidos.
É pena que seja assim. Mas, senhora
procuradora, não sai a senhora beliscada por tal situação. Desempenhou o seu
mandato com total independência, sem que ninguém de boa fé possa lançar a
suspeição de que tenha feito por agradar a quem pode para poder ser reconduzida
— afinal, o argumento invocado para defender o mandato único e longo. Pelo
contrário, a sra. procuradora exerceu o seu mandato com resultados que me
atrevo a considerar de singularmente relevantes na nossa história democrática.
Num tempo em que, infelizmente, tantas vezes se suspeita, não sem fundadas
razões, da efetiva realização da autonomia e independência de muitas instâncias
dos poderes públicos, incluindo a área da justiça, a senhora procuradora
inspirou confiança e representou uma grande lufada de ar fresco pelo modo como
conseguiu conduzir a ação penal pelo corpo do Ministério Público. Poucos, até
há alguns anos, acreditavam que realmente fosse possível garantir de facto, que
não na letra da lei e nos discursos, uma ação penal que não distinguisse entre
alguns privilegiados e os restantes portugueses. No termo deste seu mandato,
são sem dúvida mais os que acreditam que se pode fazer a diferença e marcar um
reduto de integridade e independência, onde as influências partidárias ou as
movimentações discretas de pessoas privilegiadas na sociedade esbarram e não
logram sucesso. Tendo presente que esse ideal de justiça, associado à exigência
de liberdade e de responsabilidade, se sobrepõe, sobremaneira, a muitos outros
valores e aspetos práticos nas sociedades democráticas, parece reconfortante
verificar que o seu contributo para a credibilização das instituições
democráticas foi enorme e digno de apreço e de estima.
Bem sei que não há ninguém
insubstituível e que a sua humildade o reconhece com absoluto desprendimento.
Não era, de resto, a si que deveria ter cabido a ação de defesa e
reconhecimento de que é inteiramente merecedora. Menos compreensível é que quem
pode e deve ser consequente nesse reconhecimento não esteja interessado em
fazê-lo, com benefício para Portugal.
Como ex-primeiro-ministro que propôs a
sua nomeação, quero prestar-lhe público reconhecimento pela ação extraordinária
que desenvolveu no topo da hierarquia do Ministério Público. Como português
quero sobretudo expressar a minha gratidão por ter elevado a ação da
Procuradoria a um novo e relevante patamar de prestígio público. Muito obrigado,
senhora dra. Joana Marques Vidal.
Sem comentários:
Enviar um comentário