por Santana Castilho*
- jornal Público
Do Expresso do último sábado
jorrou o mantra manipulador de António Costa contra a recuperação do tempo de
serviço dos professores. É penoso ler um texto saturado de cinismo e falsidade
consciente. Mas o cúmulo da desfaçatez e da desonestidade política está no
momento em que António Costa, ministro proeminente do primeiro governo de
Sócrates, tem o topete de dizer:
“Com toda a franqueza, fico
bastante perplexo que tenha havido tanta serenidade durante os nove anos,
quatro meses e dois dias em que se verificou o congelamento e que a agitação
tenha começado precisamente no dia em que se acaba com o descongelamento”.
Dê-se de barato o
significativo acto falhado de António Costa, quando refere o dia em que acabou
com o “descongelamento” (e não “congelamento”). Varrimento da memória relativa
à fortíssima contestação do tempo em que ele era apoiante de Maria de Lurdes
Rodrigues? Desatenção quanto ao tempo de Crato, mero seguidor das políticas do
PS, de ódio aos professores? Nada disso. Apenas o corolário de um comportamento
político que permite estabelecer um padrão: de jogador de lances curtos, de
manipulador, de negociador de ocasião, numa palavra, de um carácter político
que cede facilmente a trair os que lhe garantiram a sobrevivência, quando já
não precisa deles. Que o diga o PCP (na Câmara de Lisboa), que o diga Seguro,
que o diga o próprio Sócrates, que o diga Manuel Alegre (no triste episódio do
Conselho de Estado) ou que o diga Margarida Marques (despedida sem saber
porquê), para não prolongar demasiado a lista.
O que os professores
reclamam é simples e inquestionavelmente justo: tratamento idêntico ao que foi
dispensado às carreiras gerais da administração pública. Com efeito, os
trabalhadores por elas abrangidos recuperaram todo o tempo de serviço congelado
e a partir de Janeiro de 2020 terão as suas remunerações revistas como se não
tivesse havido congelamento até 31 de Dezembro de 2017. Não entender isto não
é, naturalmente, um problema de inteligência. É um problema de carácter.
Tresler o que está escrito na Lei do Orçamento de Estado não é, naturalmente,
ignorância sobre a diferença semântica entre um “de” e um “do”. Volta a ser um
problema de carácter. Martelar cálculos para aumentar custos não traduz inépcia
contabilística. É, ainda, um problema de carácter. De carácter político.
O episódio tem, porém, um
mérito, qual seja o de fixar no papel o logro em que caíram os sindicalistas
colaboracionistas, inicialmente ofuscados pelo populismo dos membros de uma
equipa, que se prestaram ao papel de idiotas úteis aos desastrados desígnios do
PS para a Educação. Exemplo último? A natureza estritamente pedagógica da
avaliação dos alunos foi desfeita e substituída por regras administrativas, que
permitirão a realização de reuniões de conselhos de turma com apenas um terço
dos respectivos professores. Se já tinha sido grave o Colégio Arbitral
determinar que os conselhos de turma funcionassem com metade mais um dos seus
membros, que dizer de um Ministério da Educação que assim atentou contra a
autonomia profissional docente e assim limitou o interesse dos alunos ao
simples preenchimento de uma folha Excel?
António Costa disse ao
Expresso que os parceiros que sustentam o Governo estão errados. Os sindicatos,
que ameaçam paralisar as escolas já em Setembro, dizem que o errado é António
Costa e pediram ao PCP e ao BE que chumbem o OE para 2019, se não forem aí
atendidas as suas reivindicações, argumentando que seria uma incoerência
insuprível a esquerda viabilizar um orçamento que as ignorasse. Ainda pelo
Expresso, fomos informados que o gabinete de imprensa do PCP esclareceu que o
Governo queria (inicialmente) que, na norma da polémica, ficasse escrito “de
tempo”, que não “do tempo”. A significância desta disputa semântica em contexto
de negociação da Lei do Orçamento de Estado para 2018 (da qual haverá sobejas
testemunhas), a ser verdade, permite apanhar o mentiroso político mais depressa
que qualquer coxo.
* Professor do ensino
superior (s.castilho@netcabo.pt)
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