sábado, 28 de julho de 2018

O especulador Ricardo Robles

O prédio em causa, já vandalizado.
Depois admiram-se  que as revoluções aconteçam!


João Miguel Tavares -Jornal  Público

Aquilo que Robles fez é, pura e simplesmente, um desastre político e uma absoluta hipocrisia.

Nós já sabíamos que o Bloco era esquerda caviar, mas nunca antes tínhamos apanhado um bloquista com tanto caviar na boca. O caso Ricardo Robles seria sempre relevante e criticável quer ele fosse vereador do PS, do PSD ou do CDS. Sendo vereador do Bloco de Esquerda, e conhecendo todos nós a sua posição pública e a do seu partido acerca da terrível “especulação imobiliária”, aquilo que Robles fez é, pura e simplesmente, um desastre político e uma absoluta hipocrisia.
Vamos por partes. Primeiro, o desastre político. Classificar o negócio de Ricardo Robles como politicamente desastroso não depende sequer da sua cor partidária, nem do seu discurso contra os maus-tratos sofridos pelos pobres moradores dos bairros históricos, que estão a ser empurrados para fora dos centros das cidades devido à pressão horrível do turismo. A questão política é outra, e transversal a qualquer detentor de um cargo semelhante ao seu: deve um vereador de uma câmara municipal envolver-se, durante o seu mandato, em negócios imobiliários que envolvam aquisição de imóveis a entidades públicas, e a aprovação de obras de beneficiação por parte da mesma câmara onde desempenha um alto cargo executivo? A minha resposta é óbvia: não, não deve.


Robles só é vereador do Bloco desde 2017, mas já em 2013 era líder da bancada do partido na Assembleia Municipal de Lisboa. Ou seja, tinha as mãos na massa. Para mais, o prédio foi comprado em Junho de 2014 não a uma entidade privada, mas à Segurança Social, por 347 mil euros – um valor ridículo numa zona que naquela altura já era muitíssimo valorizada. Se o valor do imóvel conseguia ser facilmente multiplicado por 16 com algumas obras de reabilitação, como acabou por acontecer, isso significa que a Segurança Social fez um negócio miserável. E a Segurança Social somos todos nós. Mais: as obras no prédio tiveram um licenciamento muito rápido, ainda por cima com mudanças estruturais que envolveram o bónus de um piso extra, antes inexistente, através da ampliação das águas furtadas.
Robles tem mais um apartamento para arrendar em Lisboa — a 1300 euros
Ilegal? Talvez não. Muitíssimo desaconselhável? Sem dúvida. Ricardo Robles disse ao Jornal Económico que investiu um milhão de euros no empreendimento. Em 2017, o prédio foi avaliado em 5,7 milhões de euros por uma imobiliária. Ora, uma mais-valia de 470% em três anos tem um nome – e é nesta parte que entra a absoluta hipocrisia. Nas vésperas de sair a notícia, Ricardo Robles colocou no Twitter a foto de um protesto, onde se lia numa tarja: “No vocabulário do lucro não existe a palavra ‘compaixão’.” Já no vocabulário do Bloco o que mais existe é a palavra “hipocrisia”. No mesmo tweet, Robles declarava que os “lisboetas merecem ser defendidos perante o bullying e a especulação imobiliária”, e concluía: “Estamos do lado dos moradores.” Não, Ricardo, não estás. Tu estás do lado dos senhorios.
É esse o terrível perigo do moralismo – é necessário ser capaz de viver à altura das suas exigências. E é extremamente difícil. Ricardo Robles vendeu os princípios anti-especulação por 4,7 milhões de euros. Não foram baratos. Mas, depois de irem, já não voltam. Para quem, como eu, acredita que o Bloco está cada vez mais próximo do arco de governação e mortinho por assumir cargos de poder, esta é mais uma prova de normalização democrática à portuguesa. Com a entrada estrondosa de um dos seus mais destacados membros no campo das negociatas imobiliárias foleiras, o Bloco está um partido cada vez mais parecido com os outros. Os meus parabéns.

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