O prédio em causa, já vandalizado. Depois admiram-se que as revoluções aconteçam! |
João Miguel Tavares -Jornal Público
Nós já sabíamos que o Bloco era esquerda
caviar, mas nunca antes tínhamos apanhado um bloquista com tanto caviar na
boca. O caso Ricardo Robles seria sempre relevante e criticável quer ele fosse
vereador do PS, do PSD ou do CDS. Sendo vereador do Bloco de Esquerda, e
conhecendo todos nós a sua posição pública e a do seu partido acerca da
terrível “especulação imobiliária”, aquilo que Robles fez é, pura e
simplesmente, um desastre político e uma absoluta hipocrisia.
Vamos por partes. Primeiro, o desastre
político. Classificar o negócio de Ricardo Robles como politicamente desastroso
não depende sequer da sua cor partidária, nem do seu discurso contra os
maus-tratos sofridos pelos pobres moradores dos bairros históricos, que estão a
ser empurrados para fora dos centros das cidades devido à pressão horrível do
turismo. A questão política é outra, e transversal a qualquer detentor de um
cargo semelhante ao seu: deve um vereador de uma câmara municipal envolver-se,
durante o seu mandato, em negócios imobiliários que envolvam aquisição de
imóveis a entidades públicas, e a aprovação de obras de beneficiação por parte
da mesma câmara onde desempenha um alto cargo executivo? A minha resposta é
óbvia: não, não deve.
Robles só é vereador do Bloco desde 2017, mas já em 2013 era líder da bancada do partido na Assembleia Municipal de Lisboa. Ou seja, tinha as mãos na massa. Para mais, o prédio foi comprado em Junho de 2014 não a uma entidade privada, mas à Segurança Social, por 347 mil euros – um valor ridículo numa zona que naquela altura já era muitíssimo valorizada. Se o valor do imóvel conseguia ser facilmente multiplicado por 16 com algumas obras de reabilitação, como acabou por acontecer, isso significa que a Segurança Social fez um negócio miserável. E a Segurança Social somos todos nós. Mais: as obras no prédio tiveram um licenciamento muito rápido, ainda por cima com mudanças estruturais que envolveram o bónus de um piso extra, antes inexistente, através da ampliação das águas furtadas.
Robles tem mais um apartamento para
arrendar em Lisboa — a 1300 euros
Ilegal? Talvez não. Muitíssimo
desaconselhável? Sem dúvida. Ricardo Robles disse ao Jornal Económico que
investiu um milhão de euros no empreendimento. Em 2017, o prédio foi avaliado
em 5,7 milhões de euros por uma imobiliária. Ora, uma mais-valia de 470% em
três anos tem um nome – e é nesta parte que entra a absoluta hipocrisia. Nas
vésperas de sair a notícia, Ricardo Robles colocou no Twitter a foto de um
protesto, onde se lia numa tarja: “No vocabulário do lucro não existe a palavra
‘compaixão’.” Já no vocabulário do Bloco o que mais existe é a palavra
“hipocrisia”. No mesmo tweet, Robles declarava que os “lisboetas merecem ser
defendidos perante o bullying e a especulação imobiliária”, e concluía:
“Estamos do lado dos moradores.” Não, Ricardo, não estás. Tu estás do lado dos
senhorios.
É esse o terrível perigo do moralismo –
é necessário ser capaz de viver à altura das suas exigências. E é extremamente
difícil. Ricardo Robles vendeu os princípios anti-especulação por 4,7 milhões
de euros. Não foram baratos. Mas, depois de irem, já não voltam. Para quem,
como eu, acredita que o Bloco está cada vez mais próximo do arco de governação
e mortinho por assumir cargos de poder, esta é mais uma prova de normalização
democrática à portuguesa. Com a entrada estrondosa de um dos seus mais
destacados membros no campo das negociatas imobiliárias foleiras, o Bloco está
um partido cada vez mais parecido com os outros. Os meus parabéns.
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