terça-feira, 5 de junho de 2018

Memórias de tempos idos


Por: Costa Pereira Portugal, minha terra

Por norma ninho que uma vez enjeite nunca mais ocupo. Sempre assim aconteceu comigo. Isto para dizer que apesar da consideração com que fiquei por toda a vida em relação ao patrão que tive em Nine, bastou o facto de certo dia me apetecer mudar de poleiro e sem avisar abandonei o ninho para nunca mais lá voltar. Com certa facilidade de adaptação e de relacionamento, onde quer que chegava fazia amizades e muitas duradouras. Foi o caso do novo ninho que então arranjei em terras do Coronado (São Mamede) ao tempo uma freguesia do concelho de Santo Tirso. Além da amizade também a confiança que depositavam em mim valeu ser convidado pelos país de um jovem que ia embarcar para Angola nessa ocasião para o acompanhar até Lisboa, onde no Cais da Rocha apanhou o Príncipe Perfeito. Quando já em Santa Polónia estava para apanhar o comboio de regresso ao norte, sou abordado por um ferroviário de Nine que ver-me ali quis saber noticias minhas e vai de me convidar a subir para a máquina e com ele vir de Lisboa até Campanhã a vê-lo, como maquinista conduzir o comboio. Ficou a saber onde é que eu trabalhava pois acontecer de nos encontrarmos uma vez por outra.  
Pedi encarecidamente que não desse a minha direção ao Sr. Luís. Prometeu que sim, mas passado um ou dois dias lá tinha eu esse meu saudoso amigo na sua bicicleta motorizada a procurar convencer-me regressar a Nine. Levou um não, motivado pela razão que já dei. Mas vamos a falar de São Mamede do Coronado terra que foi abadia da apresentação alternativa do papa, bispo e abade de São Romão de Vermoim. Gozou do foral que D. Manuel concedeu à Maia em 1519, andou ligada ao julgado de São Cristóvão do Muro e a Santo Tirso e desde 1998 faz parte do jovem concelho da Trofa. Aqui vivi uns pares de anos bons e agradáveis onde fiz e deixei muitos amigos que com os anos e a distância se foram deixando perder do contacto, mas não da memória. O Zeca da Luz, o ti Epifânio, o saudoso António “barbeiro”, o “Jornaleiro” do Casal, a Alice do Lavadouro, o Magalheiro, o Grilo, o “Londres” e toda esta gentinha que do lugar do Casal eram habitantes. Ali convivi com todos fazendo amigos e conhecendo pessoas que muito me estimaram. O Sr. Camisão, na sua quinta, o santeiro José Thedim, autor da imagem de Nossa Senhora de Fátima, na sua casa junto ao atelier, o Padre Joaquim de Sousa Ferreira e Silva, tio de D. Serafim, bispo imérito de Leiria/Fátima, na sua residência paroquial e na igreja; a todos os tive por amigos respeitáveis. E outros como o ti Emídio Sousa, que deixou a fortuna a uma filha do ti Epifânio; o Maia, que na pesca furtiva ficou sem uma mão, o Ferreira alfaiate, o Sr. Assunção, que tinha um filho médico; tantos e tantos que já lhe perdi a conta. Na altura eram famosos na terra, pela negativa, além do “Lestro”, também os “Espanhóis”, figuras que davam hoje assunto para fazer uma novela se um bom novelista pegassem a sério no fio da meada. Não se davam nem à bala, com um vizinho que por apelido chamavam “Bodego”. Muitos tinham – lhe medo, mas eu nunca tive queixa deles estimava-os como pessoas e eles a mim.
Ali reencontrei também a lecionar na escola do Outeiro um celoricense de Molares, a quem devo o vírus do jornalismo, o saudoso José Lopes, então conhecido pelo “Pascoal de Molares”. Para além da igreja também o Salão Paroquial de São José são imoveis dignos de apreço e admiração. Do salão, tive o privilégio de assistir à sua inauguração e de fazer a minha estreia como ilusionista, já não sei em que ano da década de 50 foi. Hoje apenas estou ligado virtualmente a essa simpática e fértil região dos arrabaldes do Porto, pelo contacto que alimento com a Associação para a Proteção do Vale do Coronado, sediada na Rua da Escola de Mendrões, s/nº, 4745-449 Coronado. Extinta, como já foi dito, em 2013, esta antiga freguesia maiata passou a denominar-se União das Freguesias do Coronado (São Romão e São Mamede) e ficou sediada em São Romão.
Outra freguesia que bem conheci e sempre que viajava de comboio na sua estação o ia apanhar. Junto à oficina do Monteiro, fabricante de maquinaria agrícola, como debulhadoras e outras máquinas de grande porte, género Tramagal. Áh! Faltou-me falar do Carneiro, de São Mamede que tinha uma fundição de metal na Trofa, e antes foi madeireiro. Gabava-se de ter ganho muito dinheiro na compra de pinhais, da mãe dos Maias de Mendrões, pagava melhor que nenhum outro, mas enquanto ela dormia ele ia carregando. Como do Casal, tenho saudades do largo da Feira Nova ou Água Levada, da Vila ou Igreja e daqueles lugares donde se petiscava e confraternizava amistosamente. Memórias de tempos idos.

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