jornal Público
27/06/2018
Num final caótico de ano escolar, é
necessário impedir que a informação falsa seja mais rápida que a verdadeira e a
política seja confinada ao quarto escuro da manipulação. Daí a anáfora que se
segue, particularmente dedicada a António Costa, Alexandra Leitão, João Costa,
Lobo Xavier, José Miguel Júdice, Fernando Medina, Pedro Silva Pereira, Pedro
Marques Lopes e Miguel Sousa Tavares.
A SEITA |
- Não é verdade que a contagem de todo o
tempo de serviço prestado pelos professores signifique um encargo de 600
milhões de euros. O número que António Costa referiu no Parlamento (e virou
mantra nos jornais e televisões) foi colhido da leitura apressada (ou
maliciosa) do Programa de Estabilidade 2018-2022. Acontece que tal número diz
respeito ao descongelamento de todos os trabalhadores públicos, que não só dos
professores. Desagregando estes, estaremos a falar de 380 milhões.
Significativamente, o Ministério das Finanças já começou a corrigir as suas
contas: os custos de 2018 já passaram de 90,2 para … 37 milhões.
- Não é verdade que alguma vez os
professores tenham exigido pagamento de retroactivos. A contagem de todo o
tempo de serviço prestado só é reclamada para efeitos futuros, sendo que os
docentes propõem que o respectivo impacto seja acomodado de 2019 a 2023.
- Não é verdade, como afirmou António
Costa, que o compromisso do Governo seja apenas descongelar as carreiras e que
em nenhuma carreira tenha havido recuperação do tempo do congelamento. Citando
Churchill, quando António Costa fala dos professores, o que diz parece “uma
adivinha, embrulhada num mistério, dentro de um enigma”.
- Não é verdade que Alexandra Leitão tenha
falado de factos no artigo que escreveu no Público. Ela falou de fictos. A
memória de passarinho da secretária de Estado fê-la esquecer que no texto do
compromisso consta “o tempo” e não apenas “tempo” a recuperar. Letrada que é,
só em deriva ficcional pode reconhecer que o compromisso assume a
“especificidade da carreira docente” para, do mesmo passo, se enlear numa
espúria tentativa de a anular como carreira especial (à semelhança dos
militares, polícias, magistrados, médicos e enfermeiros), indexando-a à
carreira geral da função pública. Mas, mais grave que isto é esta doutora em
leis ignorar os dois factos que importam: discutir a semântica do compromisso
tornou-se irrelevante quando a Lei do Orçamento de 2018 (artigo 19º)
estabeleceu que “o” tempo a recuperar não é matéria a negociar, mas tão-só o
prazo e o modo de o fazer, em função das disponibilidades orçamentais; o
esbulho que Passos iniciou e Costa quer eternizar, só passou no Tribunal
Constitucional sob condição de ser transitório, que não permanente.
- Não é verdade que a infeliz nota
informativa da DGEstE tenha pretendido apenas esclarecer normativos em vigor
(declarações de João Costa). Fora ele carpinteiro de toscos e não secretário de
Estado, e eu aceitaria que desconhecesse o que reza a portaria nº 243/2012 e o
despacho normativo n.º 1-F/2016. Assim, tratou-se antes de um expediente vil
(como tal participado à Procuradoria-Geral da República) para impedir uma greve
legítima.
- Não é verdade que os docentes progridem
na carreira de modo automático. Para progredirem, os professores têm de: obter
classificação mínima de “bom” na avaliação de desempenho; frequentar com
aproveitamento formação contínua certificada; submeter-se a avaliação externa
(aulas assistidas); conseguir passar pela porta estreita das vagas
limitadíssimas definidas pelo Governo, para o acesso ao 5º e 7º escalões.
- Não é verdade que os professores
portugueses são os mais bem pagos da OCDE. Convém recordar que os seus salários
líquidos variam entre um mínimo de 1.025,43€ e um máximo de 2.207,47€. Convém
recordar que entre estes dois valores medeiam uns teóricos 34 anos de carreira
(reais 48), o que explica que, actualmente, não exista um único professor a
receber o salário correspondente ao último escalão. Convém recordar que
milhares de professores estão há mais de uma década no primeiro escalão e a
maior parte deles jamais chegará aos superiores.
- Não é verdade que Portugal tem ministro
da Educação. Portugal tem um factotum de Centeno, uma espécie de Lola do
Simplex, que vai à bola a Moscovo quando a Educação arde em Lisboa.
*Professor do ensino superior
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