A verdade, Dr. António Costa, é que não
é preciso ter saudades de Passos Coelho ou desejar vê-lo a si a descansar em
casa, para ter relutância em deitar foguetes com os seus supostos sucessos.
É provável que o primeiro-ministro,
agora consagrado pelo Político, ache os
comentadores independentes da imprensa portuguesa muito injustos e irritantes.
Ei-los, nas bancadas, a procurar mesquinhamente o reverso de todos os sucessos,
a rejubilar com quaisquer incidentes, de Tancos ao PESCO, e, claro, a prever
continuamente desgraças maiores. Quem são? Segundo o governo, são os
saudosistas de Passos Coelho, sempre a invocar o “diabo”, só para ver tombar o
governo.
É assim? Não é. Ninguém anseia por
desastres, a começar pela oposição, que sabe pelo que passou em 2011, quando
herdou a bancarrota de quase duas décadas de governos socialistas: há vias para
o poder que são, de facto, caminhos para lado nenhum. O primeiro-ministro que
pense no seu próprio caso. Em 2014, não gostou da “saída limpa” do programa de
ajustamento? Certamente que gostou, porque senão, em 2015, teria chegado ao
governo, não para “repor” as prerrogativas da função pública e dos pensionistas
mais ricos, mas para executar outro pacote de resgate.
O problema de António Costa é que diz
muito mal de Passos Coelho, mas governa como se Passos tivesse resolvido todos
os problemas do país, e bastasse agora distribuir os dividendos. Ora, de facto
Passos Coelho poupou o país à cascata de ajustamentos por que passou a Grécia.
Fez o necessário para merecer que a troika esticasse metas e para aproveitar a
determinação do BCE em anestesiar os mercados. Provou ainda que aliviando um
pouco a economia de certos custos e constrangimentos, esta é capaz de reagir.
Mas já não é preciso fazer mais nada, a não ser gastar?
Sim, a economia portuguesa cresce, mas
quase todas as economias europeias crescem. Sim, os juros são baixos, mas são
ainda mais baixos para os outros. Sim, o Eurogrupo elegeu Centeno para seu
presidente, mas precisamente no mesmo dia em que avisou o
governo português para o risco de derrapagem do Orçamento de 2018.
Centeno, segundo os seus colegas, está a aproveitar a boa conjuntura económica
e fiscal para aumentar a despesa, não para diminuir a dívida pública, deixando
o país vulnerável a um novo “choque externo”. Por cá, é o Banco de Portugal que receia as
facilidades do crédito à habitação, com um subprimedisfarçado pela
baixa dos juros. Num país em que metade das famílias estão endividadas e com a
mais baixa taxa de poupança da sua história, “um aumento das taxas de juro
colocaria um considerável número de famílias em situação crítica”. Ora, esse
aumento não é improvável, como o próprio Mário Centeno já admitiu.
Ou seja, estamos em condições de voltar
a sofrer aflições iguais ou piores do que as de 2011, mesmo sem o TGV. A OCDE, pelo seu lado,
veio lembrar esta semana que a despesa com pensões em Portugal duplicou desde a
década de 1990, e que vai continuar a aumentar até 2030, para chegar a 15% do
PIB (era 4,8% em 1990), muito acima da média da OCDE (9%). Não é de espantar: a
sociedade portuguesa é uma das mais envelhecidas do mundo. Há quem espere que o
progresso da produtividade possa compensar a dependência das gerações mais
idosas em relação a uma força de trabalho cada vez menor. Mas a verdade é
que esse progresso não têm sido notório.
Como vê, Dr. António Costa, não é
preciso ter saudades de Passos Coelho ou desejar vê-lo a si a descansar em
casa, para ter relutância em deitar foguetes. A questão é saber se este
governo, sustentado pelo PCP e pelo BE, está em condições de, pelo menos,
prevenir o pior. Mas basta reparar nos contributos do PCP e do BE para o
Orçamento de 2018, para perceber que não. Que quer portanto que façamos, Dr.
António Costa?
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