É sabido que todas as civilizações
antigas sustentaram a sua sociedade na escravatura. Roma e Grécia, por exemplo.
Esta prática esteve sempre presente desde que o Homem é Homem.
Que na África Portuguesa houve
escravatura praticada pelos portugueses, ninguém o pode negar. Como houve em
todos os países coloniais. São factos provados pela História, mas em épocas
longínquas. Contudo, é bom notar que quando os Portugueses chegam a Angola, com
Diogo Cão ao comando da pequena frota, já em África os Africanos praticavam a
escravatura entre si. Os vários reinos que aí existiam, formados por várias
tribos, sustentavam a sua sociedade, como o haviam feito as civilizações
antigas. Nessa altura já os Árabes vinham de Zenzibar trocar mercadorias por
escravos, à costa ocidental africana.
Reconhecer isto, é reconhecer um
facto. Mas reconhecer isto não é o mesmo que dizer que os portugueses
praticavam a escravatura na década de 50/60 do século passado. Isso é uma
aldrabice do tamanho do mundo. Que nessas décadas ainda se praticassem alguns
abusos, alguma descriminação e até algum trabalho forçado é uma coisa, dizer
que se praticava trabalho escravo em Angola, é outra. Aliás, Isabela Figueiredo
em “Caderno de Memórias Coloniais” (2009), denuncia situações de descriminação
que observou, entre os oito e os doze anos, por parte de seu pai em Moçambique.
Mas é um caso que pode ser contraposto por milhares, idênticos aos que são
descritos, por exemplo, numa obra universal como “África Minha” de Karen
Blixen.
E no Portugal de hoje (2017), não
existe descriminação? Temo-la à nossa porta. Nem precisamos de sair do nosso
bairro.
É certo que em regiões como a Lunda
que ficavam para lá do sol posto, onde o meio mais rápido de comunicação era o
telefone (demasiadas vezes avariado, como é reconhecido na narrativa de
Soromenho), se praticassem certos abusos, mas
à revelia das ordens das autoridades.
São vários os autores que chamaram a
atenção para esses abusos, à revelia das
leis coloniais (como é reconhecido por Castro Soromenho). Em 1935, na sequência de uma reunião
da Comissão de Peritos sobre a Escravatura, José de Almada escrevia que “é mais
do que plausível que em Angola subsistam formas de “lobolo” como em
Moçambique”, considerando ainda ser plausível a presença, em Angola, de formas
de pagamentos de dívidas entre indígenas, por meio de trabalho por parte dos
devedores, das suas famílias ou dos seus dependentes.
E então, há alguma novidade nisso?
Hoje, na Europa, alguém que contrate com algum banco tem que ter fiador. Se não
pagar, paga o fiador, se o fiador não pagar, paga a família. Qual é a
diferença?
Os “Relatórios Ross” (1925) e o
relatório de Henrique Galvão (1947), apontam para abusos, à revelia da legislação portuguesa, repetimos. E existem numerosos
estudos sobre a Diamang, como o de
Todd Cleveland (referido no programa de Fernando Rosas), autor de uma
dissertação de doutoramento intitulada Rock
Solid: African Labourers on the Diamond Mines of the Angola Diamond Company
(2008). Também Fortunato
de Almeida, da Repartição dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, na década de 40 do século passado, se manifestou contra estes
abusos do trabalho indígena.
Mas porque razão se ouve apenas um
lado? Em 1961 o Ghana apresentou à OIT (Organização Internacional do Trabalho)
uma queixa acusando o Governo Português de não garantir eficazmente a
observância de uma convenção sobre o trabalho forçado nos territórios de
Angola, Moçambique e Guiné. Uma Comissão Internacional insuspeita constituída
pela Suíça, Uruguai e Senegal, foi designada a 19 de Dezembro e percorreu livre
e demoradamente esses territórios. Percorreu 8700 Km, visitando livremente
todos os locais que entendeu e sobre os quais havia denúncias. No seu relatório
minucioso provou que não havia fundamento, negando provimento à queixa do
Ghana.
Fernando Rosas, devia limitar-se ao
seu papel de historiador. E ao fazer um programa deste tipo devia, em primeiro
lugar, ter o cuidado de separar o trigo do joio. Mas não o fez. Pelo contrário,
deu continuidade a todo o programa com uma estratégia utilizada por Lenine e
Trotsky, seguida depois por Estaline, “deixando correr o barco”, manipulando o
espectador no sentido de que o sistema da Diamang
era utilizado em toda a então província ultramarina de Angola. E é esta
tentativa manipuladora que reprovamos. Nem mesmo no Dundo, ou em povoações
próximas da Lunda, esse sistema era utilizado na generalidade.
Mas qual é a diferença entre esses
abusos que Fernando Rosas tanto enfatiza, com os abusos que têm sido noticiados
hoje (2017) com o trabalho de contratados de paquistaneses no Algarve, em
Portugal?
Fernando Rosas não conheceu a
realidade de Angola entre os anos 50 e 70 do século passado. Leu coisas e ouviu
coisas. Num período de 30 anos, esses abusos esvaneceram-se. Mesmo
com o jorro de sangue a rodos de “61”, cinco anos depois, brancos
e pretos conviviam irmãmente em Angola. A nossa experiência pessoal, como a
de tantos não é para aqui chamada. As
imagens que já mostrámos dizem tudo. Mas para que não haja
dúvidas ilustramos este parágrafo com três fotografias: uma de antigos alunos do Lar da Mocidade
Portuguesa da antiga cidade de Salazar (hoje N’dalatando) , outra de antigas
alunas do Colégio (de freiras) Santa Maria Goreti, e uma terceira com a equipa de desporto da mesma cidade .
Fernando Rosas procura, já no final
do episódio, induzir os espectadores sobre a existência de Apartheid em Angola (porque não separou o trigo do joio). Claro que
teve o cuidado de citar Diana Andringa; mas usou a palavra intencionalmente. Não
deixou, contudo, de manipular a
informação ao fazer referência à diferenciação das habitações, dos campos de
ténis, etc.
E qual é a diferença entre isso e as
“habitações” dos contratados portugueses de hoje (2017) que vão em campanhas do
Norte para o Sul? Ou qual é a diferença entre a habitação de um ricaço e a
nossa? Ou então entre a nossa e a do cidadão que vive no bairro da lata?
Diz ainda que a sociedade estava
dividida em estratos sociais. E no Portugal de 2017, como está? E acrescenta
que os filhos dos técnicos superiores (citando Diana Andringa) não brincavam
com os filhos de técnicos inferiores. E os seus netos, ou os netos de outros
aburguesados portugueses, brincam com os netos dos cidadãos dos bairros de
lata?
Mas alto lá! Fernando Rosas tem ainda
uma verdade obscura para revelar, prova de que existia a tal escravatura! As
mulheres (claro, tinham que ser para aqui chamadas) e as crianças também eram
contratadas para esses trabalhos. Que trabalhos? Eis então a grande prova: para
cultivarem as hortas (e apresenta uma fotografia) de onde alimentavam os
maridos e os encarregados, ou para servir na cantina!
Ora se o Doutor Rosas sair do seu
belo apartamento de Lisboa, na primeira esquina, nalgum hospital ou nalguma
escola verificará no Portugal de 2017 centenas de mulheres (africanas e
europeias) a trabalhar em cantinas. E se for à terra de onde é oriundo
(presumimos que seja Caldas da Rainha) observará um rol de mulheres a
cultivarem hortas e a colherem a bela maçã reineta nos pomares limítrofes.
E, para fundamentar a sua tenebrosa
teoria mostrou umas imagens de negros a trabalhar nas minas de diamantes, que
são semelhantes a todas as imagens de trabalhadores de minas. Mas acrescentou
um facto, e é sobretudo por isso que nos demos ao trabalho deste escrito – a
referência ao escritor Castro Soromenho. Diz Rosas, sobre a questão do trabalho
escravo, que Soromenho “nos descreve exemplarmente na sua obra”. E cita duas
passagens, uma das quais de cariz desumano: “… eram os escravos da Diamang, homens tratados como animais, em violação das próprias leis coloniais”.
Ora Rosas deveria aqui ter diferenciado a Diamang
do resto do território. Mas não o fez, primeiro porque lhe interessava
ideologicamente, segundo porque não conhece nada de Angola. Até porque nem
menciona sequer o titulo da obra. Nós conhecemo-la bem. “Terra Morta” relata a vida quotidiana de várias “personagens
na vila de Camaxilo, sede de circunscrição administrativa no Nordeste de
Angola, uma localidade histórica formada por duas partes: Camaxilo-de-Cima,
povoada por militares das campanhas de ocupação da Lunda, no início do século
XX e sede administrativa de circunscrição entre 1911 e 1936, e
Camaxilo-de-Baixo, povoação mais antiga, criada por sertanejos da época da
escravatura e da borracha, em finais do século XVIII, que polarizam a acção do
romance em simbolismos complexos”.
Ou seja, relata-nos factos longínquos
ainda do século XIX, princípios do século XX e momentos dos anos 30, quanto
muito dos anos 40 do século passado. Até porque este só pode ser um romance da
década de 1940, pois surgiu referenciado na lista bibliográfica de Calenga
(1945) com a seguinte nota: "Não pode entrar no mercado". Logo, nunca poderia ter sido escrito
em 1949, como se diz.
Neste belo romance, Castro Soromenho
faz uma critica corrosiva ao processo de contratação da Companhia, e de certo
modo ao regime colonial da Lunda (note-se). Mas também o faz às práticas dos
africanos, e isto o Doutor Rosas não refere. Como não refere outras passagens
que evidenciam as boas práticas da Companhia em relação aos contratados.
Em diálogo de Vasconcelos e Valadas,
o segundo diz: “ Olha, apesar de tudo, eu prefiro isto à Metrópole”. Segundo
Valadas, pelo menos em Angola não havia PIDE (no sentido que havia na Metrópole), nem a miséria e fome que havia na
Metrópole (pp. 22-23). Quanto à escola, pelos vistos, os mulatos eram ensinados
de graça (p.39).
E que tal aquela passagem que nos
mostra que os pretos das sanzalas eram mercadoria dos sobas? (p.51) E que estes
tinham escravos próprios? (p.65). Que podiam chibatar quando entendessem? (p.
85).
Aliás, a comercialização de escravos
entre africanos está muito bem descrita com a lembrança de Braz Vicesse (p. 50).
Sobre a questão hospitalar, leia-se o
capitulo IV.
Por aqui ficamos.
Por aqui ficamos.
Se o Doutor Rosas pretendeu comparar
a Companhia ao Gulag soviético, desengane-se porque é comparar a água com o
vinho. E se pretendeu estender as práticas da mesma a todo o território
angolano, desengane-se a dobrar. Em Angola depois dos anos 50, já o dissemos,
brancos e pretos (com excepções, claro está) viviam irmãmente. E os direitos
dos pretos eram, de modo geral, iguais aos dos brancos. A diferença estava
apenas no estrato social e no poder económico. Como no Portugal de hoje (2017),
ou em qualquer país do mundo (ressalvando em muitos casos, os países nórdicos
europeus). Citamos apenas um exemplo de grande abrangência e envergadura,
protagonizado por um transmontano, médico e escritor: o Dr. António Passos
Coelho que havia sido o director clinico do Sanatório do Caramulo, organizou a
luta contra a tuberculose no distrito do Bié até 1973, altura em que é nomeado
director do Sanatório de Luanda. Para quem? Para todos – Pretos e brancos. Ao
serviço de quem? Do povo (e do governo colonial como Rosas gosta de dizer!).
Actualizado a 14 de Novembro XVII
Quem assim fala ,...sabe o que diz !! os meus respeitos...
ResponderEliminarMuito obrigado. Abraço fraterno.
EliminarEste DR.Rosas não passa dum pseudo historiador esquerdoide,ignorante descarado que julga ter descoberto "polvora" com uns passeios de 2 ou 3 semanas por Angola,se arroga dono da verdade,a sua verdade,mais propriamente.Oiça quem lá nasceu e viveu,gerações e gerações de portugueses e angolanos que desmentem todas as asneiras que lhe pagaram para para tentar vender aos portugueses da sua cor política
ResponderEliminarObrigado pela lição de história.
ResponderEliminarPara um historiador de mérito e para os que lá viveram repor a verdade é fundamental.
Para que as gerações presentes e futuras conheçam a realidade histórica e saibam respeitar o indivíduo apesar das diferenças que possam eventualmente existir.
Foram esses os princípios e valores que me ensinaram na Diamang.
A Diamang descrita pelo Fernando Rosa é uma que tem um assento de ódio na letra A cujos interesses são ficar benvisto no seu partido ignorando a verdadeira história, a dos povos português e angolano
Este texto foi escrito por João Pedro Bexiga Nunes Roque
EliminarBem-vindo Fernando Rosas à sanidade mental. Dos testemunhos que poderás ler e reparar a tua consciência... Ou pelo menos te interrogares ?
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