Novembro
ainda pertence à efeméride que por aqui e ali, se comemora sem grande alarde –
A Revolução Russa (mais propriamente Revolução Soviética) de 1917. Os Russos
não querem dela ouvir falar. Preferem o Capitalismo com todos os seus defeitos
às virtudes do Comunismo. Vladimir Putin também “não foi em futebóis”: mandou fazer uma
pesquisa rigorosa a uma Comissão da Academia Russa. Que relatasse a rigor o que
aconteceu naquele ano, de Fevereiro a Outubro. E não falou mais sobre o
assunto. Pela Europa, a Academia tem feito aqui e ali, uma conferência, um
colóquio ou uma palestra. Nada mais do que isso. Porque a tragédia que essa
Revolução provocou não foi pequena. Não
vale a pena alguns da nossa praça tentarem “tapar o sol com a peneira”,
branqueando essa tragédia e o papel de alguns dos revolucionários.
Em
síntese, os bolcheviques (minúsculos, se comparados com outras forças
politicas), tomaram o poder para espanto de todos. Porque tinham o apoio do
soviete de Petrogrado (que dele dependiam todas as decisões), do proletariado e
dos marinheiros de Kronstadt (tanto em 1905 como em 1917, embora se tenham revoltado contra o terror bolchevique em Março de 1921). Derrubaram um governo legitimo que poderia ter levado a Rússia
para a democracia. Com a Revolução, Lenine (com o apoio de Trotsky) levou o
país para uma ditadura execrável, apoiada no Exército Vermelho, organizado por Trotsky, e na Guerra Civil que se
seguiu. Aliás, sem essa Guerra Civil, os bolcheviques nunca teriam consolidado
o poder. Depois foi o que se viu. Surgem as políticas genocidas da Rússia Soviética
nos anos 1932-1933 e 1937-1949. E embora a Revolução Russa tenha iniciado como
uma tentativa democrática com o Partido Social Democrata de Lenine, para mal de
todos descambou no totalitarismo que todos conhecemos[1]. Os bolcheviques mudaram em Março de 1918, o nome do
Partido Social Democrata para Partido Comunista da Rússia[2]. O ideal bolchevique, da dedicação altruística à
causa revolucionária, foi bem ilustrada pelo próprio Estaline: “um verdadeiro
bolchevique não pode nem deve ter família, porque deve entregar-se por completo
ao Partido” [3]. Hoje, todos sabemos como o ideal de igualitarismo
comunista resultou em tiranias brutais, que tentaram controlar todos os
aspectos da vida quotidiana[4].
Em suma, enumerando todas as patifarias, todas as experimentações e processos
de anular tudo o que vinha de antes para criar o “homem novo”, os bolcheviques,
com o comunismo, pretenderam fundar uma religião.
O
conceito de “terror em massa” é fulcral em Lenine, fórmula que surge a partir
da revolução de 1905. Volta a surgir em força na Primavera e durante o Verão de
1918, estando ainda presente em Abril de 1921. E largamente apoiada por
intelectuais como Gorki, sobretudo no que diz respeito à massa de camponeses.
Em 1930-31, foram deportados cerca de dois milhões de camponeses. Das suas
tragédias nos dá conta o historiador italiano Andrea Graziozi; desta “patologia
sistémica” leninista/estalinista[5], pode recorrer-se ainda a Moshe Lewin ou Lynne Viola.
De
repente, o terror de 1793 dos “homens do barrete frígio”, tão desprezível para
Edmund Burke[6]. é institucionalizado no dia cinco de Setembro de
1918 pelo decreto “sobre o terror vermelho”. De facto, os meses que se seguem
caracterizam-se por um clima de violência estatal absolutamente novo. São
15.000 as vítimas do Outono de 1918. Ou seja, foram executados, em dois meses,
três vezes mais do que o número total de executados no último século pelo
terror czarista!
Nicolas
Werth destaca o escabroso editorial do jornal da tcheka de Kiev: “Que o sangue
jorre a rodos!” [7].
O
aniquilamento é, sobretudo, visível na Crimeia. Cerca de 150 mil “burgueses”
são executados, deportados, etc. O livro de Melgounov, comoveu a Europa
Ocidental. Diz a dado passo: “fuzilar tornou-se o início e o fim da ponderação
administrativa dos comunistas”. E socialistas, acrescente-se. São mortos 500
mil cossacos. Isaac Z. Sternberg nas suas memórias denuncia este terror
leninista. O terror de massas tornou-se assim, uma politica de higiene social.
Na Sibéria Ocidental eliminaram-se 300 mil.
Foram
pertinentes as conclusões da autora d’As Origens do Totalitarismo, sobre as
leituras dos revolucionários do século XX[8] – Marx e Darwin – e o papel decisivo que o conceito
de evolução teve nas teorias bolcheviques e nazis.
Caracterizado
pela obsessão da depuração o terror de massas leninista cria a via de limpeza
social que Estaline empreende a partir de 1929, ano da “Grande Viragem” e dos
“Amanhãs que cantam!”. E que mais tarde será utilizada na China de Mao, em
proporções gigantescas.
O
mítico John Reed, no seu imortal 10 Dias
que abalaram o Mundo (edição comemorativa do centenário da Revolução das edições Avante), descreve-nos em rigor os primeiros 10 dias da tomada
do poder bolchevique[9]. Prefaciado pelo próprio Lenine, que aconselhava a
edição de milhões de exemplares por todo o mundo. Recomendação que se tornou
realidade, embora tenha sido sujeito a uma elevada censura, durante vários
anos, tanto no Ocidente como na Rússia Soviética de Estaline, que não gostava
desta crónica heróica porque a sua referência nela era irrelevante, se
comparada com a de Lenine e Trotsky. Só a História
da Revolução Russa de Trotsky se lhe assemelha, suplantando-o em muitos
pontos.
Décadas
depois, surgem vários estudos com a abertura do arquivo da KGB, nos anos 90 do
século passado. Contudo, uma das sínteses desse conjunto de historiadores,
apreciada e reeditada ao longo dos anos, constitui o volume de Sheila
Fitzpatrick, intitulado “A Revolução Russa”, editado pela primeira vez em 1979,
cuja quarta edição surgiu em 2017 nas bancas portuguesas[10]. Em 1996 é publicada, por Orlando Figes, uma obra
essencial sobre esta temática: “A tragédia de um povo, a Revolução Russa de
1891-1924” [11]. Bem como os testemunhos pessoais de Chmeliov, Grossman, Chalamov,
ou Sojenitsine.
Actualizado a 6 de Novembro XVII.
[2] FIGES, Orlando, Sussurros,
a vida privada na Rússia de Estaline, Aletheia, 2010, p. 35, nota de rodapé
assinalada com *.
[4]HARARI, Yuval Noah, Sapiens, de
animais a deuses – História Breve da Humanidade, Elsinore, 2017, p. 199.
[5] E trotskista. Trotsky esteve com ambos,
principalmente com Lenine. Foi Trotsky que fundou e organizou o Exército Vermelho.
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