Ressalvando, talvez, Luís Marques Mendes (e Lobo Xavier), todos apoiaram José Sócrates durante uma década! |
Santana Castilho – Público
Confesso: espantou-me ver
tantos e tão irmanados bullies na mentira e no ódio a uma classe.
Mesmo para quem está
habituado ao confronto de opiniões que as decisões políticas mais polémicas
suscitam, causa perplexidade verificar a quantidade de pronúncias na
comunicação social, escrita ou falada, ora expondo ignorância inaceitável, ora
evidenciando intuitos manipulatórios censuráveis, que a questão da tentativa de
apagar uma década ao tempo de serviço dos professores suscitou. Conheço os
preconceitos e as agendas destes bullies avençados. Mas, confesso, espantou-me
ver tantos e tão irmanados na mentira e no ódio a uma classe, a quem devem
parte do que são e do que serão os seus filhos e netos. Não é corporativa a
razão que dita estas linhas. É a seriedade, é a justiça e é a certeza sobre o
quanto toda a comunidade precisa dos seus professores.
Dois clichés são
recorrentes no discurso dos bullies: a progressão dos professores é automática,
em função do tempo de serviço; não há possibilidade financeira para o que
reclamam.
Comecemos pela carreira.
Na representação adulterada das mentes captas dos bullies, a progressão na
carreira dos professores seria apenas dependente do tempo. Nada mais falso. Um
lugar num quadro, primeiro patamar dessa carreira, só ocorre, em média, depois
de duas décadas de exercício profissional penoso, em situação de nomadismo continuado,
com avaliação do desempenho anual, da qual depende uma hipotética contratação
no ano seguinte. Depois, sim, vem o requisito do tempo de serviço, ao qual se
soma uma avaliação do desempenho, interna e externa, que é fortemente
penalizante se insuficiente, e a obrigatoriedade de 50 horas de formação,
igualmente avaliada, em cada escalão, com aulas assistidas nos 3.º e 5.º e
quotas administrativas para chegar aos 5.º e 7.º. Para falarmos sobre o tema é
elementar ler o Estatuto da Carreira Docente. Mas os bullies não leram. Alguns,
que simultaneamente sacralizam as avaliações da OCDE e vilipendiam os
professores, parecem ignorar que aquele organismo internacional considera os
nossos docentes como dos mais competentes no universo dos países examinados. E
esquecem que os inquéritos sociais sobre o apreço e a confiança que os
portugueses depositam nas diferentes classes profissionais mostram a dos
professores nos lugares cimeiros.
Disse o Governo, que vai
deixando cair números para incendiar a opinião pública, que um quarto chegaria
ao topo da carreira se todo o tempo de serviço fosse contado. Mas não disse
que, desde que a carreira foi concebida, não pelos docentes, mas por um governo
PS, nenhum, repito, nenhum, lá chegou. Não pensaram nas consequências quando
assim legislaram e, mais tarde, anunciaram o fim da austeridade?
Passemos à questão
financeira. O que está em causa não é recuperar o dinheiro perdido durante
quase uma década. O que está em causa é não permitir que, para futuro,
desapareçam dez anos de trabalho cumprido. O coro dos 650 milhões de euros, em
que afinaram bullies, primeiro-ministro e, sibilinamente, Presidente da
República, é uma falácia. Essa quantia, para além de não ter sido reclamada
pelos professores no OE de 2018, será (deduzida de mais de um terço, que será
recuperado pelo Estado em impostos) o preço da decência, dividido em vários
orçamentos futuros. Entendamo-nos: um orçamento é o espelho das escolhas
políticas de um Governo. No de 2018, Costa vergou-se às rendas de privilégio, com
uma pirueta de deslealdade quanto à contribuição sobre as renováveis. Na última
segunda-feira, rasgou, sem decoro, a palavra que havia dado na sexta passada.
No de 2018, Costa e Centeno reservaram 3250 milhões para os demandos da banca e
1498 milhões para as rendas imorais de 15% das parcerias público-privadas
rodoviárias, em que não tiveram coragem de tocar, para além de terem
antecipado, há 15 dias, um pagamento ao FMI de 2780 milhões, que só teria que
ser feito em 2020 e 2021. Costa tinha razão quando disse que “a ilusão de que é
possível tudo para todos, isso não existe”. Tudo só é possível para alguns. Os
que Costa escolheu.
Professor do ensino
superior
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