Fernando Leal da Costa -
OBSERVADOR
A trapalhada sobre o
INFARMED revela o que há de pior na forma que o primeiro-ministro usa para
encontrar desculpas, fabricar ilusões e desviar atenções. O estilo pegou e o
Governo vai atrás do chefe.
Entendi que me devo
pronunciar sobre a deslocalização do INFARMED porque é uma instituição que
conheço bem, onde trabalho há cerca de 25 anos, e porque este episódio, que
provavelmente não passará disso, demonstra o que há de pior na circunstância de
termos um primeiro-ministro incompetente, mentiroso, inseguro e inconsequente.
São adjetivos fortes, reconheço, que me custa escrever, mas são muito
aparentes. O tempo está a encarregar-se de mostrar o que cada um é. O problema
nem está na coligação social-comunista, está mesmo em que o dr. António Costa
nem para capataz das esquerdas unidas serve. A trapalhada sobre o INFARMED
revela o que há de pior na forma que este primeiro-ministro usa para encontrar
desculpas, fabricar ilusões e desviar atenções. O estilo pegou e o Governo,
quase todo, vai atrás do chefe. Desta vez, outra vez, calhou ao ministro da
Saúde ver-se embrulhado num assunto que de nada lhe serve, nem para escamotear
os apertos em que tem estado, e apenas o diminuiu intelectualmente e na
credibilidade. O dr. Campos Fernandes não precisava de mais esta e deveria
ter-se colocado de lado e nunca ao lado de tão tamanho embuste como o da
mudança do INFARMED.
Em agosto de 2016, numa
outra revista para onde vou escrevendo, já eu tinha alertado para que a luta
com o intuito de conquistar a sede da EMA deveria ter começado nesse verão. Não
foi assim. Posteriormente, há a decisão do Governo, ratificada no Parlamento,
de iniciar um processo de candidatura com a intenção de trazer a EMA para
Lisboa. Não se conhecem os pressupostos que levaram o ministro da Saúde a
propor essa localização. Talvez nem existissem. Sendo assim, começou o
disparate. Logo de seguida, aproveitando a impreparação do Governo, com o
habitual toque de provincianismo que move a política autárquica, surgiram uns
indignados a sugerirem o Porto. Poderia ter sido Braga, Coimbra ou Santarém.
Porque não? Não têm aeroporto? Estão longe da administração central? Mas a
verdade é que não foram equacionadas, nacionalmente, alternativas.
O Governo, para dar uma
mão ao candidato do PS no Porto que tinha sido expulso da coligação com Rui
Moreira, decide, sem nenhuma racionalidade prévia que se conheça, que o Porto é
que será. Nomeia, muito bem, um distinto portuense, de quem tenho o gosto de
ser amigo, para liderar o processo de candidatura do Porto à sede da EMA. Estou
certo de que o dr. Eurico Castro Alves fez o seu melhor. A diplomacia
esforçou-se, esforça-se sempre muito, mas com tempo limitado e meios desiguais.
O Porto não era, de facto, uma boa alternativa e, devemos aceitá-lo, Lisboa
talvez não tivesse melhores hipóteses de lutar contra Amesterdão, Milão ou
Copenhaga, locais desde logo apontados, até na literatura médica, como os mais
indicados para albergar a sede da EMA. O Porto não foi escolhido. Não perdeu
coisa nenhuma, porque não se tratava de um campeonato e é absurdo vir alguém
dizer que foi excelente porque ficou em 7.º ou seja lá que lugar tenha tido nas
votações. Deve até dizer-se que o processo final de escolha para a cidade da
sede, entre Milão e Amesterdão, não abona nada sobre as instituições europeias.
Uma agência da importância da EMA não poderia ter a decisão sobre a sua futura
localização em resultado de um sorteio. E, sejamos sinceros, ambas as cidades
têm os seus aeroportos principais, embora bem servidos de ligações, bem longe
dos centros urbanos. Aí, pese embora a hora ser a de Londres e isso ser crítico
para quem está longe da Europa central, Lisboa bate todos. Aeroporto mais
central, é difícil.
Assunto encerrado. Há
mais coisas importantes para tratar. O Porto tem o que tem e pode ter orgulho
nisso. O Porto não precisa da EMA para ser o Porto, a cidade portuguesa de que
todos gostamos e a quem o País tanto deve. Não saiu diminuído, nem
engrandecido, com o processo da EMA que correu mal e nunca poderia ter
decorrido de outra forma. O Governo nem estava muito preocupado com isso. Se
ganhasse, perfeito, o Costa é um iluminado, perdendo, não faz mal, já que “a
Europa nem sempre faz boas escolhas”. Não é?
Não. Não é. Logo no dia
seguinte, cedo pela manhã, o nosso ministro da Saúde, sem antes nada ter dito a
mais ninguém, provavelmente de conluio com o chefe, liga ao dr. Rui Moreira e
comunica-lhe que a sede do INFARMED vai para o Porto. “Não tens EMA mas tens
INFARMED”, em jeito de prémio de consolação que, na lotaria, se diria ser a terminação.
O facto de nunca se ter
escrito que o INFARMED iria para o Porto em nenhum documento, já haver um plano
estratégico do INFARMED que pressupõe a manutenção da sede onde ela está, não
existir nenhum estudo conhecido que demonstre vantagens em mudar a localização
do Instituto, ignorar a opinião da senhora presidente do INFARMED, não ter
procurado antecipar a reação dos trabalhadores, não mencionar custos, nada
disto teve qualquer importância.
Mas o desnorte, na busca
do Norte, não ficou por aqui.
A decisão que estava
tomada, acompanhada da arrogância ministerial que afirmou não precisar dos
técnicos que estão em Lisboa porque encontrará outros no Norte, face à repulsa
manifestada pela esmagadora maioria dos trabalhadores e agentes políticos, transformou-se
numa intenção “política”, redundou numa comissão que ainda vai estudar o
assunto, numa mudança de parte da estrutura, numa medida que ainda pode ser
totalmente revertida e, mais recentemente, numa decisão tomada há muito tempo.
Se a localização da EMA
no Porto dependia da mudança do INFARMED, nunca ninguém o disse. Se a
proximidade das duas agências, EMA e INFARMED, era fator determinante, a
localização ideal, em Portugal, seria Lisboa. Parece cristalino. E argumentar
com a ERS não tem sentido. A Entidade Reguladora da Saúde está no Porto porque
o primeiro presidente que foi escolhido era do Porto. Foi essa a razão técnica.
Se houvesse vantagem em ter as reguladoras a 300 Km do Governo, como se isso
fosse a garantia de maior independência de reguladores escolhidos pelos
ministros que vão ser regulados, todas elas, não só a ERS, estariam já entre a
Cedofeita e a Boavista. Vá lá, uma em Gaia para que ninguém fique triste.
Entre a trapalhada e a
mentira, não sei o que é melhor. Afinal, não tendo nada contra a verdadeira
descentralização, para Portugal qual é a vantagem em ter a sede do INFARMED no
Porto? Quanto vai custar a mudança? Que acréscimo, depois da mudança, haverá
nos custos operacionais? Quantos trabalhadores terão de ser contratados? Quais
os custos da formação de novos técnicos? Como vão recolocar os que se recusarem
a ir? Haverá lugar a indemnizações? Temo que o anúncio extemporâneo e
extravagante da mudança da sede não teve em conta estas perguntas.
É certo que o INFARMED é
autossustentável e não depende do OE. Não me revejo nas críticas aos gastos com
manutenção, que apenas duplicarão com a multiplicação de estruturas em dois ou
mais polos, nem com o acinte manifestado contra gastos em viagens. O INFARMED é
uma grande agência internacional, não somente nacional, pelo que é comum haver
muitas deslocações de pessoal técnico, o que nada tem a ver com a
deslocalização de famílias inteiras em moldes permanentes. Mais interessante
seria a construção de raiz de uma agência de avaliação de tecnologias da saúde,
em Coimbra ou no Porto, elemento fundamental e ainda ausente do panorama da
administração da saúde em Portugal.
A política não é estados
de espírito, nem é um jogo de distribuição de sedes. Logo, dizer que a decisão
de deslocalizar a sede “é política”, é apoucar a política e gera-me muita
desconfiança sobre outras decisões já tomadas ou por tomar. Pobre País, o
nosso, onde se decide politicamente, argumento final e irrefutável, e se manda
estudar depois.
A descentralização não é
deslocalização de sedes. Mudar de sítio é só uma excentricidade. O Porto não
merecia a desconsideração de se ver arrastado para uma polémica que só serviu
para demonstrar a superficialidade dos nossos líderes. Muda-se uma agência central
de primordial importância entre as torradas e o café da manhã?
Talvez seja o tempo,
virada a página da austeridade, apesar de o primeiro-ministro ter agora dito
que afinal as ilusões que pregou eram mentira, para se pensar em fazer uma nova
capital. Uma Astana, Brasília ou Naypidaw? Uma Costopolis em Vila de Rei, bem
no centro geodésico? Talvez mesmo com uma estátua do grande líder, o AC, em
dourado amaurotizante, sobre pedestal móvel que lhe permita acompanhar o Sol no
seu deambular diário. Não seria original. Há uma em Ashgabat que foi
descentralizada, mudada para a periferia, pelo líder que sucedeu ao estatuado.
O mais recente presidente, depois de remover a estatuária incómoda, aproveitou,
sendo dentista, para mandar fazer um hospital, em forma de dente. Imaginem, se
a moda pegasse, a retoma continuasse e o nosso ministro da Saúde tivesse uma
especialidade mais ligada à reprodução. A extravagância não tem limites. O
INFARMED que o diga. E o Governo não se esqueça de que o ridículo mata.
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