“Belinha, sai só”.
A carta aberta de Rafael
Marques a Isabel dos Santos
Rafael Marques de Morais
- OBSERVADOR
15/11/2017
Prezada Isabel dos
Santos,
Chegou a hora de
retribuir o teu gesto de carinho para comigo, manifestado há já algum tempo na
tua conta do Instagram, quando me tratavas por Rafaelzinho.
Portanto, Belinha,
ironias e cinismo à parte, escrevo-te para reflectir contigo sobre o momento de
mudança em curso em Angola e o involuntário e ingrato papel que te cabe: o de
bode expiatório da corrupção generalizada e da arrogância do poder.
Há dias, em conversa com
dois grandes servidores da pátria – leais ao MPLA –, fiz-lhes notar a forma
vingativa como querem que o teu pai abandone também a presidência do partido.
Há uma estranha e crescente onda conspiratória dentro do próprio MPLA para que
o camarada José Eduardo dos Santos deixe o cargo tão cedo quanto possível. Ali
mesmo, os dois homens pareciam ser os mais corajosos do mundo, como têm sido
todos os dirigentes do MPLA a quem o teu pai fez de gato e sapato e a quem
mandou ir lamentar-se para os muros da vergonha e da cobardia.
O mais velho dizia que
tinha sido uma humilhação, na recente reunião do Comité Central do MPLA, o
Presidente da República ter-se perfilado, de pé, para saudar a entrada
omnipresente do presidente do partido.
Por mim, o teu pai devia
continuar presidente do MPLA durante muitos mais anos, para que os militantes
do MPLA, que nunca se tomam como cidadãos, sintam o quanto desesperou o povo.
Belinha,
A novidade agora é o João
Lourenço. É o que está a bater. Dentro do MPLA quer-se a consagração absoluta
de João Lourenço. Os agitadores querem a transferência dos poderes absolutos
que o teu pai tinha e que lhe permitiam fazer de nós, pobres angolanos, meros
instrumentos do seu poder. Todos esses poderes são agora desejados nas mãos de
João Lourenço.
Passei muitos anos,
armado apenas com o meu computador, com papéis e com canetas, a denunciar os
excessos e os abusos monárquicos do teu pai. Não quero passar mais anos a fio a
combater os poderes absolutos, sem freios nem contrapesos, que os do MPLA e o
povo incauto querem colocar nas mãos de João Lourenço. Quero realizar o sonho
de ir fazer a minha lavra em Malanje e reformar-me por lá, em paz e ligado à
Internet. Mas antes quero também realizar o meu sonho de ver este povo livre,
solidário no exercício da cidadania, exigente na afirmação da democracia, da
transparência e da boa governação. Quero ver este povo a ser bem educado e
encaminhado para o desenvolvimento humano. É uma questão de consciência. Por
isso, peço a tua atenção.
No meio desta divisão que
se agudiza dentro do MPLA, o centro das atenções és tu, princesa. Aperta-se o
cerco à tua volta. És o teste para aferir se João Lourenço tem poder real e
capacidade de decisão ou não, se tem coragem política ou não.
Quer dentro do MPLA quer
nas ruas, onde o povo é um mero espectador, aguarda-se o acto de João Lourenço
para te arrancar a coroa de princesa – a Sonangol – que o teu pai te ofereceu.
Para piorar a tua situação, estás a exercer de forma ilegal, e por
incompetência do teu pai, o cargo de presidente do Conselho de Administração da
Sonangol.
Como teu crítico e teu
irmão angolano, penso que te falta um acto de humildade e coragem enquanto
angolana. Pelo teu próprio punho, pede a tua demissão. Entrega a Sonangol com
um sentimento de alívio, e fala para este povo que hoje te vê como uma vilã,
como a princesa má. Fala sem máscaras, sem assessoria estrangeira, do fundo do
teu coração. Onde o reinado do teu pai acabou, o teu exercício de cidadania
deve começar.
JOÃO LOURENÇO - Presidente da República de Angola |
Se nada tiveres para
dizer a este povo e para devolver a esta Angola, do fundo do teu coração,
então, irmã, sai só, em paz. Entrega tu a coroa – a Sonangol.
(Este texto de Rafael Marques foi publicado originalmente no site Maka Angola a 11 de novembro, pouco antes da notícia conhecida esta quarta-feira de que Isabel dos Santos foi afastada da Sonangol).
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