Pastor e pastora em "cena pastoral" de Abraham Bloemaert (1564-1651) |
JORGE LAGE |
O meu irmão Eduardo contou-me, na minha
infância, que um dia teria assistido em «Vale dos Queimados», termo de Chelas,
a um cantar ao desafio entre dois pastores cujo nome já não me recordo. Seria
uma cantiga como outras das fainas agrícolas (segada, malhada, apanha e monda).
Estas canções sobre as fainas agrícolas e pastoris inscrevem-se sobre o mesmo
denominador, tornar o fardo da tarefa mais suave e uma forma de comunicar e
aproximar as pessoas.
Acredito que a toada próxima e arrastada me
leva a supor que são heranças memoriais pré-cristãs e que o cristianismo depois
adotou e adaptou, por exemplo, nos ofícios fúnebres, nas ladainhas pelos
campos, nas encomendações das almas e outras.
Se a filologia fizesse um estudo sério e
exaustivo, poderia chegar a conclusões mais sustentadas de que estas tradições
foram consolidadas pelos Zoelas e que estas tradições seriam comuns ao concelho
de Mirandela em toda a corda da margem esquerda do rio Rabaçal, com epicentro
no concelho de Vinhais, estendendo-se à ponta nordeste do concelho de Chaves e
prolongando-se pela Galiza e Leão.
Seja como for, são cantigas denominadas de
«abaular» ou cantigas de pastores, também registadas por Michel Giacometti. Em
1932, o musicólogo americano, Kurt Schindler, recolheu, já por meios mecânicos,
em Tuizelo, alguns romances que ali se cantavam. Numa carta ao etnógrafo e
pároco da terra, Firmino Martins, afirmava: «Sei que os anjos não poderiam
cantar de forma mais bela e comovente do que as vossas pastorinhas».
Embora alguns estudiosos as reportem como
cantadas só na hora da sesta, enquanto o gado assestava, entendo que eram
cantadas sempre que a ocasião era propícia e os pastores se encontravam a uma
distância de se ouvirem mutuamente, geralmente de um monte para outro.
Podiam-se desafiar sobre o pastoreio do gado, para saber quem era o melhor,
sobre a vida pessoal ou amorosa e sobre romarias ou feiras a que iam. Por mais
picados que estivessem durante a canção, normalmente, o mais desafiador, no
fim, convidava o outro para merendar, partilhando-a juntos. Era uma forma de
quebrar a monotonia e o isolamento comunicando uns com os outros.
Mas, só podia acontecer quando os rebanhos
estivessem acomodados ou não houvesse nada de que os guardar por perto. Na
canção que vos deixo, retirada da revista Brigantia (1995, vol. XV, n.º 2, 3 e
4) a letra refere o pastor e pastora a combinarem ir ao S. Tiago e o que cada
um levava para a merenda e onde se encontram no caminho para não render tanto:
Dá-la-dou
Aí dinhas,
Oh regaladinhas, meninas, ou!...
Quereis ir do S. Tiago?
Ora dá-la-dou!...
Ai, demos
Olhai, queremos, ou!...
Oh regaladinhas
Ora da-la-dou!...
Ai, denda
Então levai a merenda, ou!...
Que nós levamos o vinho,
Ora da-la-dou!...
Ai, dando
Que nós levamos um frango, ou
bolinhos de bacalhau,
Ora da-la-dou!...
Ai, dinho
nós esperamos no caminho, ou!...
Oh, regaladinhas,
Ora da-la-dou!...
Ai, dós
Não vades sem nós, ou!...
Oh, regaladinhas,
Ora da-la-dou!...
Ai, dar
havemos de dançar, ou!...
Oh, regaladinhas,
Ora da-la-dou!...
Ai, demos,
Isso é o que nós queremos, ou!...
Oh, regaladinhas,
Ora da-la-dou.
Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com –
10SET2017
Provérbios
ou ditos:
Outubro deriva do latim «October», por ser o
oitavo mês do antigo calendário romano.
A
noz e a castanha é de quem a apanha.
Outubro
sisudo, recolhe tudo.
Sai
sempre a perder quem confia nos que mandam.
Sem comentários:
Enviar um comentário