sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Da ilegalidade cívica à legalidade inútil

por Santana Castilho* - Público

1. Polícias a espancarem barbaramente civis que cometiam o “crime” de votar, que ensanguentaram cabeleiras brancas de mulheres que protegiam urnas de voto e que, a uma delas partiram, um a um, todos os dedos de uma mão, são coisas do foro “interno do Estado espanhol”? Nove centenas de cidadãos europeus feridos pelas forças que existem para os proteger são coisa interna de um estado membro ou, antes, matéria civilizacional que a todos importa?

O hibridismo do discurso diplomático e a contenção expressiva que o exercício politicamente correcto de determinados cargos recomenda podem obrigar a silêncios cobardes. Mas não justificam que se remeta para o remanso doméstico o comportamento proto fascista de Mariano Rajoy. Murcham os afectos quando as mãos que os distribuem mergulham na pia de Pilatos!

2. Por falar em Pilatos, o Provedor de Justiça considerou que o concurso que os professores contestam foi injusto e originou o “desrespeito pela ordenação concursal assente na graduação”. Mas proclamou, do mesmo passo, que uma eventual repetição complicaria o arranque lectivo e que a solução congeminada pelo Governo “traduz o reconhecimento da inadequação dos resultados concursais”. Afinal, a que solução se refere o Provedor?

A 10 de Setembro, António Costa disse que o problema teria uma solução a encontrar pelo ministério. Mas o ministério respondeu manhosamente. Sem reconhecer o erro que cometeu, acenou com mais um concurso extraordinário para, magnanimamente, permitir que os professores “corrijam” preferências. Como se fossem estes que erraram e não ele. Como se, em 2018, os lugares que agora pertenceriam aos lesados, estivessem à espera deles. O compromisso do ministério foi a ausência de qualquer compromisso razoável para corrigir o dano que produziu. A sua desrazão foi servida à opinião pública como razão e iludiu valores maiores a troco de valores menores.

Nesta patusca Europa, os catalães, que não veneraram uma discutível vaca sagrada legal, pagaram com as cabeças rachadas. Mas os governantes portugueses, que mandaram às malvas a justiça e a transparência de um concurso público, foram comtemplados com a “amnistia” a que o “juridiquês” chama “da inutilidade superveniente do acto administrativo”.




Porque o Governo não reconhece os esforços que os professores fazem em nome das crianças e, mesmo assim, é servido por uma elite de seguidores de teorias pedagógicas triviais e inconsequentes, onde a mentalidade de rebanho é dominante, o pensamento oposto liminarmente considerado inimigo e demasiados professores aceitam isto sem questionar, com uma complacência intelectual preocupante. Porque há uma tendência perturbadora para aceitar o crescimento do servilismo, do conformismo e da cobardia.

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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