Pedro Passos Coelho
assusta a oligarquia política nacional, que vai desde o PCP a sectores do PSD,
porque tem uma visão para o nosso país diferente daquela que foi construída
desde a década de 1980.
O político que anunciou o
fim do seu tempo à frente do PSD não se esgotava no papel de líder do principal
partido de oposição. Também era muito mais do que um mero antigo PM. Passos
Coelho era muito mais do que tudo isso. Passos Coelho era o centro da vida
política nacional desde que em 2011 entrou em São Bento. Manteve esse lugar
central depois de sair de São Bento em 2015, sobretudo graças aos seus
adversários, nas esquerdas e dentro do PSD.
António Costa exerce as
suas funções de PM procurando ser o anti-Passos. A geringonça une-se por
oposição a Passos Coelho. Até os afectos de Marcelo Rebelo de Sousa são
apresentados como o oposto da frieza e da distância de Passos Coelho. E os
adversários no PSD fazem alianças e desenham estratégias olhando para Passos
Coelho. Tudo isto significa muito simplesmente que a saída de Passos Coelho da
liderança do PSD vai ter implicações para toda a política portuguesa, desde São
Bento a Belém, não se esgotará na escolha de um novo líder para o PSD.
O terramoto político que
a saída de Passos Coelho provocará resulta do facto do enorme número dos seus
adversários o terem tratado como alguém diferente. Um político contra o qual
muitos outros, com pouco em comum, se aliaram. A oposição a Passos mudou a
política portuguesa. Qualquer pessoa atenta percebeu que a partir de finais de
2015 se construiu uma grande coligação anti-Passos que vai desde a extrema
esquerda, PCP e BE até sectores do PSD, passando naturalmente pelo PS (e
incluindo grande parte da comunicação social e dos meios intelectuais de
Lisboa). Esta coligação fez um enorme esforço para convencer os portugueses que
o cimento da oposição a Passos tem uma natureza ideológica. Daí o apresentarem
como um “ultra-liberal”, um “extremista” e, mais recentemente, um “populista” e
“nacionalista” (as mentes mais delirantes chegaram ao ponto de o comparar a
Trump).
O período de austeridade
ajudou à construção desta caricatura ideológica. Não foi difícil apresentar
medidas duras e impopulares como resultado de escolhas ideológicas radicais.
Cortes na despesa pública por um governo de direita são medidas “neo-liberais”.
Os mesmos cortes feitos por um governo socialista são a prova de
“responsabilidade política”.
Uma análise séria das
políticas do governo de Passos Coelho mostra um governo com políticas
moderadas, completamente alinhado com as práticas de qualquer governo europeu
de centro-direita, mas sob o peso de uma intervenção externa. Aliás uma das
situações mais hilariantes da vida política nacional é assistir o PCP e o BE, defensores
de regimes violentos e totalitários, chamarem radical a Passos Coelho. Não há
nada de ideologicamente radical no comportamento e no pensamento políticos de
Passos Coelho. O que aconteceu foi que Passos Coelho foi o único político
português que chefiou um governo que foi obrigado a executar um programa de
ajustamento financeiro sem ter o poder de desvalorizar a moeda. Nunca aconteceu
a nenhum político em Portugal, e esperemos que não volte a acontecer. Qualquer
outro político, quer do PSD como do PS, que tivesse sido PM entre 2011 e 2014,
durante a intervenção externa, teria feito o mesmo. Num momento de urgência
financeira num país altamente endividado e sem moeda própria, a liberdade de
escolhas é muito reduzida. Todos os que atacaram Passos Coelho sabem isto muito
bem.
Se não é a ideologia que
explica a grande coligação anti-Passos, o que será então? Passos Coelho assusta
a oligarquia política nacional, que vai desde o PCP a sectores do PSD, porque
tem uma visão para o nosso país diferente daquela que foi construída desde a
década de 1980. Passos Coelho considera que o crescimento económico não pode
estar assente na acumulação de dívidas, mas sim numa economia competitiva e
produtiva. Privilegia as exportações ao endividamento privado para alimentar o
consumo. Defende uma separação clara entre o interesse público e os interesses
privados. Acha que o Estado deve servir os portugueses mas não pode
apropriar-se indevidamente dos seus recursos para prosseguir interesses
particulares, como aconteceu por exemplo com muitos dos empréstimos feitos pela
CGD durante os governos de Sócrates. Passos Coelho em São Bento era uma ameaça
ao modo como a oligarquia política olha para a economia e para a relação entre
o Estado e os seus interesses. E a possibilidade de poder regressar a São Bento
continuava a fazer dele uma ameaça.
Passos representou ainda
um modo diferente de fazer política. Não se intrometia nas decisões das
empresas ou dos bancos, percebendo muito bem os limites do Estado e respeitando
a liberdade económica. Colocou sempre os interesses do país à frente dos
interesses do seu partido. Não distribuía afectos, mas dizia a verdade aos
portugueses, por mais dura que fosse a realidade. Passos Coelho foi a maior
ameaça ao establishment político português e este juntou-se para o derrotar. A
geringonça mostra que o PCP pretence muito mais ao establishment do que julgam
os portugueses e que teria muito a perder se Passos impusesse algumas das suas
ideias. Também demonstra a ambição do BE de beneficiar do poder do Estado. Como
alguém disse, acertadamente, o BE é cada vez mais um PS pequeno. Mas derrotar
Passos Coelho não chegava. Era necessário transformá-lo num radical de direita,
para a oligarquia continuar a defender perante os portugueses as ‘virtudes’ do
regime.
Pode a grande coligação
anti-Passos sobreviver à partida de Passos Coelho? Eis a grande questão da
política nacional. A primeira tentação das esquerdas será fazer do novo líder
do PSD “um novo Passos”. Será o mais fácil, o mais rápido e obrigará o novo
líder social democrata a passar metade do seu tempo a dizer que não é Passos
Coelho. Mas desconfio que não será suficiente para preservar a grande coligação
anti-Passos. Deixo três questões para o futuro próximo da política portuguesa,
agora que Passos se foi embora. Irá a geringonça continuar tão unida depois da
partida de Passos Coelho? Irão as esquerdas começar a atacar o agora líder
indiscutível das direitas, Marcelo Rebelo de Sousa? Irá António Costa ceder à
tentação de provocar eleições antecipadas em 2018, aproveitando a fraqueza do
PSD? Teremos tempo para voltar a estas questões. Mas a política pós-Passos será
muito diferente do que foi nos últimos seis anos. Vão cair velhas coligações e
vão emergir novos entendimentos.
PS: Uma observação mais
pessoal. Passos Coelho tem algumas das qualidades políticas que mais admiro. É
sério, corajoso, verdadeiro, determinado e simples, sem ponta de
deslumbramento. Sempre o admirei mais pelas suas qualidades do que por razões
ideológicas. Além disso, estava a trabalhar em Bruxelas em 2011. Como
português, no meio de estrangeiros, senti vergonha pelo estado em que Sócrates
deixou Portugal, falido e dependente de ajudas externas. Passos Coelho e o seu
governo devolveram algum orgulho em relação à política portuguesa e foram
decisivos para ajudar a recuperar o país. Passos entregou ao seu sucessor um
país em muito melhor estado daquele que recebeu do seu antecessor. Por tudo
isto, deixo-lhe uma palavra de gratidão.
Sem comentários:
Enviar um comentário