Na Educação faltava a
costumada caldeirada tecnológica. Aí a temos sob o título “Estratégia TIC
2020”.
Walter Lemos - Secretário de Estado da Educação no tempo da dona Lurdes |
O vazio de ideias do
ministro Tiago Rodrigues foi preenchido pela torrente de iniciativas
desastradas do secretário de Estado João Costa: o espectáculo degradante em
matéria de avaliação, com três modelos vigentes num mesmo ano, com a
recuperação de provas outrora abandonadas por inúteis, com o ministro a
desmentir o primeiro-ministro e vice-versa e os deputados do PS a votarem
contra o programa do seu próprio Governo; um perfil de alunos para o século
XXI, repositório de conceitos banais copiados de publicações não citadas, que
endeusou as “aprendizagens essenciais”, ao mesmo tempo que o ministro decretou
o fim dos “saberes essenciais”; um pomposo Plano Nacional de Promoção do
Sucesso Escolar, rapidamente afirmado como desilusão maior que a ilusão que o
promoveu, e uma miserável flexibilidade curricular, instrumento de
desconstrução curricular e imposição de transdisciplinaridade boba.
Faltava a costumada
caldeirada tecnológica. Aí a temos sob o título “Estratégia TIC 2020”,
transportando-me, irremediavelmente porque tenho memória, ao falido Plano
Tecnológico da Educação, que, dizia Sócrates em 2007, iria “colocar Portugal
entre os cinco países europeus mais avançados em matéria de modernização
tecnológica”. Melhor fora que a prosa de cabresto dos discípulos que serviram a
criatura e agora nos trazem mais do mesmo, com a burocracia totalitária das
plataformas digitais, tivesse, ao menos, o decoro de se libertar dos esqueletos
dos famigerados Magalhães. Não para desentupir as sarjetas a que foram parar.
Mas para exorcizar os negócios que proporcionaram. Aqui, na Venezuela e em
Timor.
A deriva palavrosa que
embrulha a coisa tem neologismos curiosos: “usabilidade” e
“interoperabilidade”, por exemplo. E plataformas excitantes: uma “para gestão
das diferentes componentes de negócio do recrutamento e gestão de carreiras na
área da educação” e outra de “big data [sic] para tratamento de informação
financeira”. Negócio de recrutamento? Big data?
Enquanto isto, já temos
lei que impõe a adopção de manuais digitais para uso em tablets e João Costa
disse que vai avaliar as condições que as escolas têm para aplicar a medida.
Falta avaliar os riscos do aventureirismo sem ponderação. É inegável que os
tablets permitem armazenar muitos livros, protegendo do peso das mochilas as
colunas vertebrais, sem abdominais nem dorsais que as sustentem, de crianças
obesas, em parte porque se tornaram escravas sedentárias da “usabilidade” e da
“interoperabilidade” de tablets, smartphones e demais gadgets do século XXI.
Mas já há reflexão que importa e desaconselha a substituição radical do papel
pelo digital.
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Nos EUA fizeram contas e
concluíram que o uso de tablets multiplicou por cinco o custo dos clássicos
manuais. Porque são caros, partem-se facilmente e não se arranjam facilmente.
Ficam obsoletos rapidamente, como convém ao negócio. E há que pagar royalties
anuais a editores, custos de infra-estruturas wi-fi e treino de professores para
os usar. E quanto ao ambiente? Desenganem-se os ecologistas porque, segundo o
The New York Times de 4 de Abril de 2010 (How green is my iPad?), a produção de
tablets é bastante mais destrutiva e perigosa do que a produção de livros em
papel. Mas, acima de tudo, há evidências científicas de que ler em papel
facilita a compreensão e a memorização por comparação com a leitura digital e
que a perda da motricidade fina que a aprendizagem da escrita com papel e lápis
permite é danosa para o desenvolvimento das crianças. Finalmente, há a certeza
de que o preço dos tablets e a ausência de wi-fi na casa das crianças pobres as
deixará ainda mais para trás.
(Professor do ensino
superior)
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