Acusa-se Passos Coelho
por ter deixado cair Salgado, dizendo-se que teria sido menos gravoso para o
país aguentá-lo artificialmente. Mas aguentá-lo até quando?
Esclarecimento prévio: o título
não se refere ao tipo de padrinho da máfia napolitana, mas ao ‘padrinho’ como
nós, portugueses, o entendemos: bem instalado na vida, com vários afilhados que
ajuda e protege (e que em troca lhe fazem serviços).
Ricardo Salgado é um
padrinho à portuguesa.
Nada tenho pessoalmente
contra ele, pelo contrário.
Em tempos, quando eu
ainda estava no Expresso, houve um diferendo entre o jornal e o seu grupo.
Almocei então com Hélder
Bataglia, alto quadro do BES, na Comenda, restaurante do CCB, e esse encontro
contribuiu para derreter algum gelo.
Depois, Salgado e
Balsemão encontraram-se também à mesa num almoço decisivo, e o contencioso foi
ultrapassado.
Mais tarde, quando o SOL
estava para nascer, Ricardo Salgado convidou-me para almoçar na sede do BES, na
Av. da Liberdade, onde fui acompanhado pelo editor de economia, jornalista
António Costa (não confundir com o atual primeiro-ministro), encontro este que
decorreu em ambiente cordial e muito afável.
Ricardo Salgado tem uma
pose institucional por excelência.
Sempre deu poucas
entrevistas – e, quando as dá, não diz praticamente nada.
Usa a estratégia do
silêncio, que é muito eficaz, pois nunca se sabe bem o que ele pensa (e até o
que ele sabe mas não quer dizer).
Salgado sempre se
resguardou.
Mesmo depois da queda do
Grupo Espírito Santo, nunca abandonou a sua atitude pública de alguma
sobranceria e enfado em relação aos outros mortais – e continuou a falar pouco
e a dizer ainda menos.
O que se sabe acerca dele
é através de outros.
Na semana passada o SOL
publicou uma notícia sensacional: inúmeras reuniões da Portugal Telecom tinham
lugar na sede do BES, e Salgado chamava regularmente à sua presença os líderes
da PT, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro.
Ou seja: as duas figuras
mais importantes da maior empresa do país iam ter com Salgado para receber
‘instruções’!
Mas estes eram apenas
dois ‘afilhados’ entre muitas outras pessoas.
Para exercer o seu poder,
Salgado tinha os seus ajudantes, os seus funcionários, os seus acólitos, os
seus homens de mão.
Homens que recebiam instruções
dele e as executavam.
Nuno Vasconcellos, por
exemplo.
Vasconcellos criou a
Ongoing, um grupo fantasma financiado pelo BES, que chegou a querer dominar a
Impresa, de Francisco Balsemão.
Da Ongoing era sócio o
espanhol Rafael Mora, personagem enigmática, e lá trabalhavam outras figuras
suspeitas, como o ‘superespião’ Jorge Silva Carvalho.
O próprio
primeiro-ministro José Sócrates também fazia parte do grupo que girava à volta
de Ricardo Salgado.
Sócrates era um
‘protegido’ de Salgado e, em troca, fazia-lhe todas as vontades.
Funcionava como uma
espécie de ‘capataz’ do banqueiro para a área política, e agia de acordo com os
seus interesses.
Assim, deu ordens à CGD para chumbar a OPA da Sonae (que, a ter sucesso, poria a PT fora da influência de Salgado).
E depois, sempre na ânsia
de ajudar o ‘padrinho’, Sócrates foi enterrando sucessivamente a PT, até à sua
destruição final.
José Sócrates tornou-se
uma peça fundamental para a estratégia de Ricardo Salgado, pois, além de ser
primeiro-ministro e tomar as decisões políticas, tinha gente sua em todas as
áreas: na banca (Santos Ferreira, Armando Vara, Francisco Bandeira), na
imprensa (Joaquim Oliveira, do Grupo Global Notícias, que fazia tudo o que
Sócrates queria, além de jornalistas como Afonso Camões, Emídio Rangel e Paulo
Baldaia), na Justiça (Proença de Carvalho, Noronha do Nascimento, Pinto
Monteiro), nas empresas (António Mexia, José Penedos, Joaquim Barroca, Carlos
Santos Silva), na política (Pedro Silva Pereira, Vieira da Silva, João Galamba)
e até no futebol (Rui Pedro Soares, Rui Mão de Ferro).
José Sócrates deu a
Ricardo Salgado a ajuda política que ele nunca verdadeiramente tinha tido.
E por essa função
cobrou-lhe, segundo o processo Marquês, muitos milhões de euros.
Imagino que Salgado
tivesse por Sócrates um profundo desprezo.
Um primeiro-ministro que
se vende por dinheiro, como pensam os investigadores, não pode suscitar a
admiração de ninguém, nem daqueles que o corrompem.
Mas Sócrates também tinha
ambições pessoais próprias, até para dispor de alguma autonomia.
A certa altura, era mesmo
difícil dizer até onde ia o poder de Salgado e onde começava o poder pessoal de
Sócrates.
O certo é que os
interesses de ambos se estendiam a Angola, onde Salgado tinha muitos negócios
(geridos por homens que depois o abandonaram, como Bataglia e Álvaro Sobrinho)
e onde Sócrates tinha um primo que participava no circuito do dinheiro.
E estendiam-se igualmente
ao Brasil, onde o BES chegou a manobrar através da Ongoing, e Sócrates tinha
amizades políticas (Lula).
Quem acabou por tramar
todo o esquema foi um homem chamado Pedro Passos Coelho.
Com as suas falinhas
mansas, começou por derrotar José Sócrates nas urnas e depois negou a Ricardo
Salgado o apoio que este solicitou encarecidamente.
Acusa-se Passos Coelho
por ter deixado cair Salgado, dizendo-se que teria sido menos gravoso para o país
aguentá-lo artificialmente.
Mas aguentá-lo até
quando?
O Grupo GES estava todo
minado, mais cedo ou mais tarde ruiria, e transformar-se-ia num poço sem fundo
para o Estado e os contribuintes.
E além disso estava
mergulhado em fraudes.
Como esconder tudo isso?
O tempo que chegou ao fim
com as quedas quase simultâneas de Ricardo Salgado e José Sócrates foi um
período muito triste da nossa história, que alguns teimaram em não perceber em
toda a sua plenitude.
Portugal esteve mesmo à
beira do abismo. Felizmente, arrepiou caminho.
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