Continua tudo como dantes: o país está entregue
ao clientelismo governamental, dependente do crescimento externo e condenado à
dívida. Esta é que é a calamidade que explica as outras calamidades.
Ironias à parte, o estridente anúncio do
«estado de calamidade» proclamado pelo primeiro-ministro em cerca de metade dos
concelhos do país – dois meses depois de Pedrógão Grande, onde a incúria e a
incompetência das autoridades deixaram morrer perto de 70 pessoas sem que
qualquer tipo de responsabilidade tenha sido apurado! – apenas confirma o
estado efectivamente calamitoso em que a «geringonça» precipitou o país com a
reversão sistemática das medidas do anterior governo perante a bancarrota a que
Sócrates levara o país em 2011!
A tardia iniciativa do
primeiro-ministro, à qual fugira aliás durante a tragédia de Pedrógão, negando
até hoje qualquer responsabilidade do Estado pela forma como a floresta
portuguesa tem ardido há décadas, destina-se apenas a quebrar o ciclo da calamidade
política em curso. Calamitosos são, também, os sucessivos incidentes
inadmissíveis do roubo de Tancos até ao da árvore que matou tanta gente no
Funchal como os terroristas na Catalunha!
Com efeito, ao mesmo tempo que se serve
do «Expresso» de ontem para anunciar um «pacto futuro com a «direita», a
entrevista destina-se sobretudo a tentar mudar o sentido de uma conjuntura
política adversa a António Costa. A declaração de calamidade começa, aliás, por
reforçar os meios autoritários do Estado a fim de apertar ainda mais o controle
sobre a comunicação («Expresso», página 3 do caderno 1), como de resto já
sucede por intermédio de uma funcionária que debita o relatório diário do
governo sobre os fogos. Entretanto, a ministra da Administração Interna ainda
teve a inoportunidade de dizer que «a GNR não mandou as pessoas para a estrada
da morte em Pedrógão». Era o que faltava! O que a GNR deveria ter feito,
obviamente, era dizer às pessoas para não se meterem por essa estrada fatal!
Foi preciso a insistência dos
jornalistas do «Expresso» para o primeiro-ministro declarar, finalmente!, que a
culpa do que se passou em Pedrógão «não morrerá solteira». Vamos ver se não se
esquece da promessa… Em Tancos, em contrapartida, «não se passou nada»: não
houve vexame para as Forças Armadas e para quem as paga, nem perante a NATO!
Para nos darmos conta do estado calamitoso a que a vida política chegou, basta
imaginar por um segundo aquilo que a comunicação social não andaria a exibir e
a difundir hora a hora se, porventura, a «direita» estivesse actualmente no
poder. É para isso que o poder serve também!
O estado de efectiva calamidade que se
vive em Portugal só pode ter-se agravado com a aliança contra-natura do PS com
os partidos da chamada extrema-esquerda, os quais fazem da reivindicação
populista o pão de cada dia à custa de uma economia periclitante e de umas
finanças inexistentes. Foi o próprio aparelho de Estado que se tornou
calamitoso ao absorver grande parte do desemprego com funcionários destituídos
de produtividade mensurável mas que, em compensação, aprisionam cada vez mais
as corporações aos governantes no poder. Neste campo, sem qualquer espécie de
plano ou mera prudência, reina o «regabofe» com a consequência, a prazo, da
insolvência dos sistemas de pensões num dos países mais envelhecidos do mundo!
Para esconder tais realidades, desde os
incêndios sem responsáveis às vãs promessas do governo, a única coisa que vale
ao primeiro-ministro é exibir as melhorias aparentes da economia. E não hesita
em anunciar – não custa nada! – que a próxima década será de convergência com a
UE. Não é o que dizem as estatísticas! Segundo o EUROSTAT da semana passada, dez anos depois do início da grande
recessão, a recuperação da economia europeia, avaliada pela variação do PIB no
segundo trimestre de 2017, revela um crescimento médio de 0,6% inter-trimestral
e 2,3 inter-anual. Ora, Portugal está entre os 11 países situados abaixo da
média europeia. Não será assim que convergimos!
O PS e os seus porta-vozes na
comunicação social começaram por omitir que a recuperação da economia
portuguesa já estava em curso quando a «geringonça» assumiu o poder; depois,
atribuíram-na às chamadas reversões; a seguir, à criação de emprego estatal e
para-estatal; mais recentemente, ao aumento do turismo e, ultimamente, às
exportações, as quais se devem, na realidade, ao crescimento de países economicamente austeros como a
Espanha.
Para terminar, a propaganda
governamental omite, obviamente, o facto estrutural de o aumento das
exportações de baixo valor acrescentado, como sempre foi o caso do turismo e
não só, fazer crescer ainda mais as importações, mantendo-se portanto os
défices seculares da balança comercial e financeira. Continua, pois, tudo como
dantes: o país está entregue ao clientelismo governamental, dependente do
crescimento externo e condenado à dívida. Esta é que é a calamidade que explica
as outras calamidades.
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