JORGE LAGE |
A segunda estadia no
Canadá teve como móbil dar apoio ao meu filho e neta, devido à minha nora ter
ido fazer um estágio num hospital de Toronto. Toronto é a cidade onde melhor se
come, devido aos vários restaurantes geridos por portugueses, como o «Lisboa à
Noite».
Em Edmonton, no que
respeita a comida, os restaurantes portugueses são fracos. Os cafés e padarias
são bons. Mas, nestes custa a perceber qual o motivo por que alguns não
recrutam trabalhadores portugueses, havendo uma comunidade lusa de mais de
cerca de 10.000 almas? Na Ferry Street (ou Av.ª de Portugal), em Newark, em New
Jersey, colada a New York, entra-se numa pastelaria e tem-se a sensação de que
estamos em Portugal. Nos cafés/padarias de Edmonton ser atendido por uma
asiática, apesar do seu sorriso amarelado e colado, gera algum desconforto.
Parece que a riqueza não sacia quem factura bem.
Certo é que se pode aqui
comer um razoável pastel de nata, um bom rissol ou um bolo de bacalhau, bem
como comprar alguns produtos portugueses, vinho, azeite (já que o italiano e o
a americano que provei e observei, comparados com os nossos, são um arremedo).
Dos melhores rissóis, folares doces e de carne que comi são feitos por mãos de
Sonim – Valpaços e de Viana do Castelo.
Na
Páscoa só estranhei a terra, o clima e a gente porque o
folar, o folar doce e o cordeiro comeram-se como em Mirandela ou Valpaços. Bom
cordeiro de quinta, da província de Alberta, o melhor de todo o Canadá e
adquirido no «Mercado de Sábado», dos produtos locais. O cordeiro que chega
congelado da Nova Zelândia é fraco e sem paladar.
Em Edmonton, quem quiser
deliciar-se com bons petiscos portugueses adquiri-os em casas particulares das
nossas compatriotas trasmontanas e minhotas que são muito trabalhadoras e
hábeis na cozinha. Aproveitam sempre para ganhar mais uns dólares. Nestas
longínquas paragens, até as boas alheiras são as mãos mágicas de uma família
numerosa de Sonim, aqui emigrada, que as confecionam com orgulho.
As melhores pizas, como
não será fácil encontrar em Portugal, comem-se na «italiana» «Buco Pizzeria,
10665, 109 Street». O preço é convidativo, sendo uma agradável surpresa. Já em
Jasper foi o local em que me senti mais roubado à mesa num restaurante gerido
por inábeis indianos, sendo a comida intragável. Mas os canadianos, em geral,
comem qualquer comida que se lhe ponha à frente. Acho que um grupo
significativo deles vive para comer e, depois, aparecem muitos obesos.
Aqui
no Canadá tudo se paga, mesmo qualquer papel solicitado
pelo governo. Tirar as impressões digitais, as fotos, uma candidatura a
cidadão, sem contar com as várias etapas preliminares. Por exemplo,
apresentar-se na imigração para prestar prova de conhecimentos (se não souber o
mínimo reprova), são 600 dólares (um casal paga 1.200) e ninguém protesta
porque as leis e directivas são para cumprir. Se um interno de medicina ou na
especialidade quiser prestar provas custa-lhe entre 2.000 a 4.000 dólares. Em
Portugal ouve-se protestar por uma magra propina, esquecendo-se essa gente que
os restantes cidadãos não têm que pagar os estudos deste ou daquele, porque se
um governante diz que vai pagar isto ou aquilo, está a mentir. Quem paga somos
sempre nós, os contribuintes. A minha nora no início do estágio, entre as
várias provas (de fogo) a que foi submetida, teve de em oito dias fazer quatro
urgências de 27 horas cada uma. Isto se fosse em Portugal ninguém se calava, a
começar pela Ordem dos Médicos. Uma carta anual para visitar os Parques
Naturais custa a qualquer cidadão, por ano, um pouco mais de 100 dólares. Se
não tiver a carta e permanecer na área do Parque algum tempo custa-lhe 18
dólares por dia, independentemente de fazer alguma visita ou não. Imagine-se
que aqui cobravam 50 euros por se querer visitar um Parque Natural?...
O
meu filho programou uma viagem maravilhosa às deslumbrantes Montanhas Rochosas
canadianas. Lagos, floresta, picos com gumes afiados, floresta e
fauna que nunca pensei ver (carneiros selvagens como nos documentários d’«O
Homem e a Terra», de Félix Rodriguez de la Fuente, veados ou da família,
águias, imensos gansos selvagens e os totens dos índios canadianos estão
presentes em muitos locais).
A nossa viagem começou
por Jasper e redondezas. Ficámos três dias alojados num resort, da cadeia
Fairmount, com vista deslumbrante para um grande lago e para as jovens e
altaneiras montanhas. Os esquilos e os gansos selvagens rendilhavam os
pinheiros e o vidrado do lago gelado. Junto ao grande lago Maligne senti-me
inseguro porque os ursos podiam estar por perto. As localidades da área dos
Parques Naturais vivem muito do comércio, dos desportos de Inverno, das
montanhas e das caminhadas a pé ou de bicicleta. Foi nesta área que vi pela
primeira vez gelo e neve azuis, vindos dos glaciares, bem como água azul e
esverdeada dos lagos. Em Jasper, ainda deu para ver um Centro de Alto
Rendimento de Desportos de Inverno e umas impressionantes quedas de água.
Deixado
Jasper para trás, rumámos a Banff pela cénica «Estrada de
Montanha 93», em que apetecia deslizar no tempo imóvel, tal era o
deslumbramento e quando pensava que iam acabar as montanhas, apareciam outras e
mais outras, para nos prestarem guarda de honra e nos saudarem pela visita.
Ficou-me gravada na alma a neve dourada e sorridente das «montanhas três
irmãs», que podiam ser sete ou setenta. Quando apareceram mais umas quedas de
água, «Attabasca Falls», foi obrigatória uma das várias pausas. Aqui e em
muitos locais vale o ditado popular luso «água mole em pedra dura tanto bate
até que fura.» E furou bem para baixo, tal é a pressão de uma garganta profunda
e apertadíssima. Ainda deu para visitar o grande Lago Louise que tem acoplado o
luxuoso «Chateau Hotel», da cadeia Fairmount, e aí retemperar forças e
aconchegar o estômago, gozando um cenário digno dos deuses do Olimpo. Mas não
nos aventurámos a percorrer um grande glaciar que o aquecimento global vai
devorando, porque «o seguro morreu de velho» e tudo o que tinha algum risco era
para saborear com a vista e não com os pés ou com o tacto.
Assim, nunca me aventurei
em cima de um lago gelado, nem encosta acima a desafiar a neve adormecida. E se
ela acordasse, até eu podia ficar no seu albo e gélido seio dormindo o sono dos
justos ou, nestes casos, dos atrevidos e temerários.
A viagem entre Jasper e
Banff em que a cota dos afiados cumes das montanhas, na sua maioria, rondava
entre os 2.500 e os 4.000 metros a rasgarem o céu, e a água dos rios e ribeiros
(Creeks) era de um límpido celestial. Deixámos Banff em paz e alojámo-nos a um
tiro de espingarda, em Cannemore, num enorme apartamento de luxo. Em Banff a
alimentação era sofrível, o que já não é mau.
Ainda
deu para visitarmos Calgary cidade das empresas petrolíferas e
algumas transformadoras, que pelos arranha-céus parecia estar-se na Dallas do
tal filme da série que foi exibida na RTP entre 1979 e 1983. Deu para ver o que
resta das pistas de gelo dos Jogos Olímpicos de Inverno. Ainda houve tempo para
visitar de fugida a cidadezinha de Crochane, toda ela airosa e acolhedora,
famosa pela plataforma de informática a nível mundial. No regresso a Edmonton
parámos em Red Dear que me surpreendeu pelo buliço comercial e social.
Os dias em Edmonton foram
pacatos, com alguns passeios a pé e muitas idas, de carro, aos belíssimos
Parques urbanos para esticar a vista e amimar as pernas e a alma. Claro que
tinha que observar as árvores onde predominam os pinheiros autóctones, os
choupos e os freixos.
A
cidade é pacata, mas nos dias em que jogava a equipa local, os Oilers
(quer dizer, Petroleiros - Alberta é a província canadiana do Petróleo), era um
frenesim de carros a cruzarem as avenidas com bandeiras do clube nas janelas e
gente pelos passeios com as camisolas dos oilers. Pavilhão imenso sempre cheio
com bilhetes de 200 a 500 dólares, sempre esgotado. Uma loucura, justificável
porque há onze anos, que não se apuravam para os «Playoffs». Passaram a
primeira eliminatória e na segunda perderam para uma poderosa equipa americana.
A loucura e euforia contagiaram-me e vi-me a torcer pelos Oilers. O mais
curioso foi ver carros, camiões, casas comerciais, aeroporto e autocarros
engalanados com bandeiras e autocolantes dos Oilers. Os autocarros de
transportes urbanos tinham em intermitência a indicação do destino e a seguir a
frase: «go Oilers go» (ou: «Vamos Oilers, vamos»!). Alguns
monumentos cobriam-se com a camisola dos Oilers. Os Oilers estiveram a um passo
(deixaram virar o resultado a 18 segundos do apito final) da final da
«Conferência do Hokey sobre o Gelo do Oeste» (USA e Canadá), comparável aos
Campeões Europeus de Futebol.
Fiquei
impressionado como os nossos imigrantes aqui constroem grandes casas.
Os remediados optam por construir a sua vivenda de rés-do-chão e cave. Mas os
mais abastados não se ficam pela necessidade e passam à ostentação com casas
imponentes, tal como os canadianos. Tal como cá, quem tem uma casa grande
julga-se importante. Projectam o seu sucesso nas casas ou moradias com terreno
em volta e nos carros de marca. Podem só ter um filho ou dois, mas a casa tem
de ser exageradamente grande. Algumas das mulheres dos imigrantes, fazem
fortuna de mulheres-a-dias. Só uma falta de sentido prático da vida os leva a
fazer autênticas loucuras. Passam uma vida apertadíssima e dura para depois
esbanjarem em casas que pouco aproveitam e que são mais uma ilusão. Quando
menos contam partem ou decidem voltar ao torrão que os viu nascer e vendem a
casa pelo que der. Curioso é verificar que emigrantes que juntaram fortuna
continuam a fazer uma vida apertada e poupada, comprando o que é mais barato.
Por outro lado, há uma grande solidariedade e entreajuda entre eles. É como as
vessadas e as torna-jeiras que se praticava nas nossas aldeias há 50 ou 60 anos
atrás. Não há nada que pague os bons laços que tece a nossa comunidade em
Edmonton! Quando me lembro do que os novos amigos do meu filho têm feito por
ele, sinto humedecer-me a alma! A nova emigração em que se inclui o meu filho e
a minha nora (economista e médica) tem uma perspectiva de vida diferente. Por
exemplo, o meu filho só compra produtos orgânicos ou biológicos, desde o leite
aos legumes, frutas e carne. Embora os produtos orgânicos e biológicos sejam
muito mais caros que os outros, porque «investir» neste tipo de alimentação é
sinónimo de melhor saúde e isso não há dinheiro que a pague. Fica assim
satisfeito o desejo de amigos que me pediram para que «falasse» do Canadá. Mas,
Portugal é Portugal!... (Fotos de Tiago Lage: carneiros selvagens, Montanhas
Rochosas e emblema dos Oilers)
Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com –
10MAI2017
Provérbios ou ditos:
Quem emprenha no bilhó faz a segada ele só.
Pelo S. João, figo na mão.
Água e lenha cada dia venha.
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