A
primeira obrigação do Estado é garantir a segurança física dos cidadãos. Em
Pedrógão Grande o Estado Português não a cumpriu e mostrou assim a sua fraqueza
e a sua essencial ilegitimidade. Na sopa de aletria da meia dúzia de agências
ou subagências governamentais que intervieram no caso, ninguém se entendia
sobre nada. A que horas tinha começado o fogo e porque tinha começado? Porque
não se tinha fechado a tempo a chamada “estrada da morte”? Porque não se tinham
evacuado as pessoas que deviam ser evacuadas? Tinha caído um avião ali, a uns
quilómetros, ou não tinha caído um avião? Existia um jornalista fantasma ou não
existia? O que transpirava desta confusão eram informações contraditórias das
várias autoridades envolvidas, todas visivelmente preocupadas em sacudir a água
do capote para o parceiro do lado. A cena foi deprimente e aterradora. E no
meio do caos, para o completar, desembarcaram o primeiro-ministro e o
Presidente da República, com fatos de bombeiros, que não iam lá fazer coisa
alguma de útil ou louvável, excepto evidentemente exibir a sua alma, exercício
que ninguém lhes pedira ou agradecia.
Este
espectáculo, pelo mortos e pelo sofrimento dos que não morreram, comoveu o
país. Mas o mesmo país habitualmente assiste em paz de espírito às mais graves
demonstrações da incompetência e degradação do Estado: investigações criminais
que duram anos e anos (como a de Oliveira e Costa e, a seguir, a de Sócrates, a
de Ricardo Salgado e as de várias dezenas de suspeitos menores); julgamentos
sem fim; a maior dívida da história, que vai crescendo; políticas que se
atenuam, interrompem ou simplesmente se metem na gaveta para não ofender
parcelas ínfimas do eleitorado; actos egrégios de nepotismo e compadrio; a
corrupção que se manifesta ou descobre em cada recanto da vida corrente e da
vida pública nacional. O parlamento, depois de lamentar a infindável sequência
de comissões de inquérito para prevenir incêndios, que não chegaram a parte
alguma, nomeou outra comissão de inquérito; e as “personalidades” que roubaram
milhões continuam a passear tranquilamente pelas ruas.
A
grande pergunta é simples: porque havia de aparecer em Pedrógão Grande, por
milagre flagrante do Altíssimo, um Estado previdente, eficaz e responsável? Não
apareceu; e, como de costume, os mais fracos pagaram a conta. Seria bom que
fizéssemos mais três dias de luto. Por nós.
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