Ferreira Leite, verdade
seja dita, não coloca a competência de Teodora em causa. Pelo contrário: como
ela tem nacionalidade portuguesa, está tudo bem. O que coloca em causa é a
necessidade de ir buscar pessoas ao estrangeiro.
Por vezes, quando ouço os
comentários de Manuela Ferreira Leite na TVI24 e leio os seus artigos no
Expresso, custa-me a acreditar que se trate da mesma pessoa que em 2009 tentou
impedir José Sócrates de empurrar o país para a bancarrota, com grande
insucesso: ela obteve uma derrota estrondosa nessas eleições (o PSD ficou
abaixo dos 30%) e Sócrates pôde continuar a dirigir alegremente Portugal em
direcção ao abismo. O tempo, claro, haveria de lhe dar razão, em particular nos
alertas recorrentes de que os investimentos previstos em obras públicas eram
lunáticos. “Não há dinheiro para nada”, dizia Ferreira Leite perante a
incompreensão geral, e debaixo de acusações de “negativismo”.
Ora, não consigo perceber
como é que uma pessoa que em 2008 e 2009 combatia ferreamente o descontrolo do
Estado e da sua despesa pública, e que necessariamente conhece por dentro as
redes clientelares que tentam capturar o dinheiro dos contribuintes, pode
escrever um texto como aquele que assinou no Expresso de sábado (“Independência
dependente”), a propósito do Conselho de Finanças Públicas. Convém recordar,
para os mais distraídos, que existe um braço de ferro entre o Governo e o
Conselho de Finanças Públicas a propósito da nomeação dos seus membros. O Banco
de Portugal e o Tribunal de Contas apresentaram nomes e o Governo chumbou-os
sem explicações. Admito que este braço de ferro seja um assunto entediante para
a generalidade dos portugueses, mas não devia ser. E Ferreira Leite, que já foi
ministra das Finanças, tem a obrigação de perceber a importância de ter
independentes a analisar as contas do Estado, e de reconhecer os enormes ganhos
de transparência obtidos pela acção de entidades como a UTAO ou o Conselho de
Finanças Públicas, presidido por Teodora Cardoso.
Ferreira Leite, verdade
seja dita, não coloca a competência de Teodora em causa. Pelo contrário: como
ela tem nacionalidade portuguesa, está tudo bem. O que coloca em causa é a
necessidade de ir buscar pessoas ao estrangeiro – a italiana Teresa
Ter-Minassian, antiga alta funcionária do FMI e chefe da missão de resgate a Portugal
em 1983, foi um dos nomes propostos – para integrar o Conselho de Finanças
Públicas. “É no mínimo humilhante”, escreve a ex-líder do PSD, “que o nosso
trabalho para ser reconhecido como isento necessite da confortável chancela de
estrangeiros para ser credível”. Manuela Ferreira Leite é a padeira de
Aljubarrota das finanças públicas. Como entende que em Portugal há gente
competente, a nomeação de qualquer estrangeiro é uma ferida no “sentimento
patriótico” e lembra “o protectorado de recente memória”.
Não sei o que é mais
absurdo neste súbito surto nacionalista da senhora. Se a inconsciência perante
práticas habituais em países civilizados – o actual governador do Banco de
Inglaterra é canadiano e ganhou um concurso internacional para o cargo, imagine-se.
Se a falta de sensibilidade para a probabilidade e estatística – o mundo é
certamente um local de recrutamento mais vasto do que um país. Se a ignorância
do nosso passado recente – nós, fantásticos portugueses, com extraordinários
dons económicos e políticos e a transbordar de “profissionais competentes”,
fomos tocar três vezes à campainha do FMI em menos de 40 anos. Eu propunha a
Manuela Ferreira Leite que guardasse a bandeirinha verde e rubra para apoiar
Cristiano Ronaldo ou Salvador Sobral. Em matérias de finanças públicas, o seu
patriotismo é pura e simplesmente patético.
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