A partir de hoje iniciamos um percurso pela biografia dos autores que já confirmaram colaboração na colectânea da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa. Seguiremos a ordem alfabética.
E
apresentaremos alguns livros de sua lavra.
Aqueles
que passarmos em claro é porque não temos dados. Assim sendo, têm a
oportunidade, agora, de os enviarem.
Como
diria o nosso amigo Carlos D’Abreu: Saúde e liberdade!
António
Passos Coelho nasceu em Valnogueiras, concelho de Vila Real, em 31 de Maio de 1926, filho de
Paulino José Alves Coelho e Dona Margarida do Carmo Teixeira Passos. O pai era
lavrador, podendo considerar-se abastado pelos padrões da época e do lugar. A
mãe era professora primária.O casal teve dez filhos, sendo António o penúltimo.
Esta prole numerosa condicionou de algum modo a escolaridade de António, que,
após concluir a instrução primária em Valnogueiras, não pode vir estudar para
Vila Real, como era seu desejo, uma vez que alguns dos seus irmãos andavam
então nos estudos e os rendimentos paternos não podiam suportar mais aquela
despesa. Mesmo assim, tendo a forte aspiração de vir a ser médico, estudou em
regime doméstico, apresentando-se na altura própria a exame do 3.º e depois do
6.º ano. Finalmente pôde inscrever-se no 7.º ano, no Liceu de Vila Real, que
concluiu em 1945. Terminado o ensino secundário, A. Passos Coelho matriculou-se
na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde se formou em 1953, não
sem ter perdido dois anos, por motivo de saúde. Mais exactamente, uma
tuberculose que se declarou logo no 1.º ano do curso e acabou por o obrigar à
interrupção no 4.º ano. Esteve então internado no Caramulo – experiência que
retrata com pormenor e crueza no seu romance Caramulo. Em 1954 é convidado para estagiário do corpo
clínico da Estância Sanatorial do Caramulo. Prossegue entretanto os seus
estudos de especialização, após os quais obtém, em 1960, em provas públicas, o
título de especialista em Pneumotisiologia da Ordem dos Médicos. Permanece
ligado àquela estância, passando a exercer, ainda em 1960, as funções de
director clínico do Sanatório Sameiro e, quatro anos mais tarde,
cumulativamente, as mesmas funções no Sanatório Pedras Soltas. Em 1970, a seu
pedido, abandonou a Estância Sanatorial do Caramulo.
A grande vocação de A.
Passos Coelho é a de contista. Os seus contos – alguns de extensão considerável
– retratam com realismo o meio rural vilarealense e a fauna humana que ali vive
os seus dramas e as suas ambições. João Gaspar Simões disse numa recensão
publicada no Diário de Notícias: “Não temos dúvidas em considerar o seu livro
[Gente da minha terra] entre os melhores do género ultimamente aparecidos.” E,
sobre o mesmo livro, escreveu Amândio César: “Trata-se de um volume de estreia,
mas isso nada influi para a real categoria do escritor que aqui me aparece pela
primeira vez”, para depois lhe apontar “um estilo forte, sadio, másculo”. Sobre
Caramulo, que reúne, como apontámos acima, características de crónica e de
romance, escreve António Cabral: “É a relação com Marta e com os amigos do
Grande Sanatório que transforma sobretudo a crónica num óptimo romance; é aí
que ele começa a ganhar altura verdadeiramente literária, qualidade sem dúvida
bem suportada pelo que no longo texto é apenas crónica.” O livro Histórias selvagens serviu de
argumento para um filme de António Campos.
* * *
Cada escritor é um caso
novo. Se relativamente ao anteriormente tratado neste Ciclo, Alberto Lopes, não
descobrimos referências explícitas a Vila Real, em A. Passos Coelho elas
abundam em qualquer dos seus dois livros de contos, Gente da minha terra e
Histórias selvagens. Mais do que contista da ruralidade trasmontana, ele é um
contista da ruralidade vila-realense, que viveu de forma plena, na infância e
na juventude, em Valnogueiras, e que nos revela nos contos, uma vez por outra
com um pé na vila e o pensamento na diáspora que também foi sua e longa de 30
anos. Mas A. Passos Coelho vai surpreender-nos
muito mais, já que esta vivência rural teve sempre também os olhos postos na
vila das décadas de 1930 e 1940 – também ela com muito de rural –, que ele
retrata como ninguém foi ou será capaz de o fazer num livro ainda inédito, Eu e
a minha Vila, acabado de escrever em Outubro de 2006 e que cometemos a
inconfidência de revelar através de uma “ecografia” já muito próxima do
nascimento da “criança” (esperamos).
Aí se conta como vem à
vila pela primeira vez por volta dos seis anos de idade, atraído pela
iluminação nocturna de que via as “milhentas luzinhas” na aldeia. Descobre um
mundo fascinante: as ruas empedradas, a ponte metálica, a “casinha” onde
declarou a cesta de cerejas que trazia para a avó materna, o “escritório dos
elefantes, da cabeça de búfalo, dos flamingos e de mais bicharada africana” na
casa da mesma avó (onde a sua educação é posta verdadeiramente à prova) e o
circo, que foi sempre para as crianças uma forma de descoberta do mundo
exterior e uma prova de que é possível vencer as dificuldades que a vida
apresenta. Levantámos a ponta do véu. O
resto se verá a seu tempo.
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