quinta-feira, 9 de março de 2017

Em terra de zarolhos



Alberto Gonçalves – revista Sábado

O problema é que, mesmo quando a presunção é hipotética ou falsa, os offshores evocam dinheiro que escapa ao controlo pleno da oligarquia

A Monocle lembra-me a actriz Ashley Judd: bonitinha no invólucro, maluquita no conteúdo. No último número, a revista dedica 64 páginas de louvores a Portugal e conclui sermos "uma nação orgulhosa e pronta para o investimento". A parte do orgulho nem comento. A parte do investimento também não, e deixo o comentário à FEE, Foundation for Economic Education, que fez as contas ao fisco e concluiu sermos, ao lado da Bélgica e depois da Suécia, o segundo lugar do Ocidente onde quem manda mais castiga a iniciativa de quem obedece e melhor constrange o sucesso económico. Em 2016, pagámos 34,7% do PIB em contribuições e impostos, proeza que bateu o recorde anterior e projecta um futuro radioso. O nome não mente: a Monocle é um bocado zarolha.
Pior ainda, a nossa orgulhosa pátria está repleta de zarolhos assim, uns por infortúnio, outros por vocação, e nenhum com o sentido estético da publicação britânica (a elite daqui exibe pêlos nas orelhas). Se restavam dúvidas, estas dissiparam-se com a erupção do caso dos 10 mil milhões em offshores. "Erupção" é maneira de dizer, já que o "escândalo" fora divulgado um ano antes sem reacção palpável – evidentemente porque à época não havia uma trapalhada equivalente à da CGD para remover das notícias. "Caso" também é força de expressão, já que uma pessoa lê as pessoas que percebem do assunto e não consegue garantir qualquer ilegalidade. Acontece que, mal ouvem falar em offshores, os serviçais da oligarquia indígena desatam a presumir, ou a fingir que presumem, crimes monstruosos.
Convém notar que o problema não são bem os offshores. Com frequência, os serviçais em causa estão directa ou indirectamente ligados a offshores nas avenças que recebem, nas compras que fazem, se calhar até nas contas que abrem e de certeza nos interesses que apoiam. Não admira, visto que uma parcela considerável dos países do mundo (Portugal incluído graças à Madeira) é no fundo um offshore, de resto instrumento hoje vital para as trocas comerciais e não um sintoma de degradação moral.
O problema é que, mesmo quando a presunção é hipotética ou falsa, os offshores evocam dinheiro que escapa ao controlo pleno da oligarquia. Aliás, na perspectiva dos utilizadores, a sua função é essa, prevenir que o ganho de uns não seja inteiramente devorado pelos que ocupam o Estado ou vivem a roçar-se nele: a inveja é o real motor da História. Na perspectiva dos "ofendidos", o recurso ao fantasma dos offshores permite alertar para roubos imaginários enquanto se cometem os autênticos.
Chegou então o momento de responder à pergunta que dilacera inúmeras almas: como (simular voz consternada) é sequer possível comparar a "fuga" de 10 mil milhões com os SMS do dr. Centeno? Não comparo. Em princípio, a primeira situação não esconde grande drama, excepto o destino que os legítimos proprietários deram às respectivas verbas. Em princípio, a segunda situação é só a superfície da folia praticada a coberto da CGD, e do destino que proprietários ilegítimos deram a verbas alheias. Admitindo que do princípio à realidade vai alguma distância, investigue-se ambas as situações e digam coisas, embora se adivinhe que se investigará pouco e dirá nada.

O BOM
Um imperativo conxitusinal
Saber português vai deixar de ser critério de aquisição da nacionalidade. Com um único gesto, abate-se a cansativa frase de Fernando Pessoa e justifica-se o linguajar do primeiro-ministro. É, porém, redutor atribuir apenas ao dr. Costa a responsabilidade pela abertura em causa. Liga-se a televisão, abre-se os jornais, espreita-se as ditas redes sociais e fica-se fascinado pela tortura a que a língua é incessantemente sujeita. Ou nem isso: de facto, o que hoje espanta é ver alguém exprimir-se em português razoável. Exigir o mesmo a estrangeiros seria pura xenofobia.

O MAU
La La Land
Nem sei quantas palavras poderia escrever sobre os Óscares. Talvez duas: não vi. Nos últimos anos, salvo a ocasional fita decente, o que me chega do cinema são as fitas indecentes protagonizadas pelas "estrelas" em cartaz. "Hollywood" desatou a levar-se a sério e perdeu a piada toda. Aquela gente convenceu-se de que lhe compete esclarecer as massas em vez de se limitar a entretê-las. O resultado do delírio nota-se no lixo em que participam e atinge o clímax na celebração anual, que voltarei a ver quando atribuírem o prémio para o Maior Pedante. Mas percebo a dificuldade na escolha.

O VILÃO
Pluralidade
Recentemente, garantiram-me que o dr. Louçã sabe umas coisas de Economia, e que as alucinações infantis que profere em público são apenas para consumo de fanáticos. Até por experiência própria, eu sabia que o dr. Louçã mente sobre tudo à sua volta. Aprendi que também mente a si próprio. Resta apurar se no Banco de Portugal teremos o académico que vive neste mundo ou o populista que afirma desejar outro, cheio de unicórnios, igualdade e campos de reeducação trotskistas. Entretanto, há que nomear Ferraz da Costa para a direcção do BE a bem da pluralidade.


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