quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Vamos dizer mal do sr. Trump?



Alberto Gonçalves – revista Sábado

Vamos lá. Ao contrário dos que culpam a globalização pelas desgraças da Terra, não gosto do proteccionismo económico. Ao contrário dos que privilegiam produtos indígenas, não gosto de nacionalistas. Ao contrário dos que berram contra a economia "de casino", não gosto da economia de substituição e menos da de subsistência. Ao contrário dos que insistem nas virtudes do "investimento" público, não gosto de trafulhas. Ao contrário dos que veneram líderes latinos e folclóricos, não gosto de populistas. Ao contrário dos que se entusiasmaram com a Primavera Árabe, não gosto de revoluções, pelas armas ou pelo Twitter. Ao contrário dos que confundem Ocidente e imperialismo, não gosto da ideia de um mundo sem a NATO. Ao contrário dos que aplaudem o boicote a israelitas, não gosto de segregações motivadas por crença, etnia ou nacionalidade. Ao contrário dos que elegeram em duas ocasiões o engº Sócrates, não gosto de pantomineiros. Ao contrário dos que se sentem muito confortáveis com o dr. Costa, não gosto de políticos com vocabulário e responsabilidade comparáveis aos de uma criança de 7 anos.
Esta declaração de desinteresses visa separar águas e outros líquidos. Uma pessoa tem de ter cautela para não se misturar com a gente que, concordando em quase tudo com o sr. Trump, inventa ou distorce factos para "provar" que discorda imenso. Nos últimos dias, talvez para não maçar o povo com a subida fulgurante das taxas de juro, os nossos media, embora não só os nossos, decidiram recorrer a extraordinários argumentos a fim de demonstrar a vasta perversidade do novo Presidente americano.
Um dos "argumentos" prende-se com o muro: o sr. Trump promete erguer um muro ao longo da fronteira dos EUA com o México. É desagradável? Sem dúvida. Principalmente é mentira, na medida em que o muro, ou cerca de um terço dele, já existe, e começou a ser construído nos tolerantes tempos de Bill Clinton. Além disso, as críticas a muros que impedem entradas são suspeitas quando vêm de apreciadores de muros que impedem saídas.
Um segundo "argumento" é o veto da admissão de refugiados. Monstruoso? Ou nem tanto, se levarmos em conta que após 90 dias o limite anual chegará aos 50 mil, aproximadamente a média da generosa administração Obama. A despropósito: antes de 2016, Obama na prática recusou refugiados sírios, cujo sofrimento hoje enche o noticiário para exibir a desumanidade do sr. Trump. De resto, a empatia de inúmeras almas pelos deserdados da sorte termina no momento em que fecham à chave a porta de casa. 
Um terceiro "argumento" refastela-se nas manchetes do tipo: "Todos contra Trump." Todos excepto a maioria local que, de acordo com as sondagens, apoia cada decisão do sujeito e, se calhar, até votou nele. É esquisito, mas às vezes a ralé não obedece à sra. Meryl Streep. 
E por aí fora, em patranhas sucessivas e – esperam os iluminados – suficientes para convencer as massas a detestar o sr. Trump. Tipicamente, os iluminados não compreendem que foi essa arrogância que consagrou o homem. E fingem não compreender que, removidas as patranhas e dois ou três pormenores, o homem representa aquilo de que eles gostam. E de que eu, repito, não gosto.

O BOM
Acordos de cavalheiros
Dois anos após as primeiras notícias (do Correio da Manhã) sobre o assunto, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social decidiu não investigar a influência do eng.º Sócrates na administração e nas direcções de certo grupo de media. Apesar da prolongada reflexão, há muito que o presidente da ERC possuía um palpite sobre as conclusões a tirar: "Um cavalheiro não comenta escutas", atirou em Março passado. Ficou por apurar com exactidão para que é que um cavalheiro serve. Mas, se não formos picuinhas, já temos uma ideia.

O MAU
Se calhar
Quando, há tempos, os juros pela emissão de dívida a 10 anos passaram os 4%, o PR garantiu não haver razão para alarme. Ficámos descansados: estava subentendido que o PR incrementaria a ração diária de selfies até os juros cederem à força dos "afectos". Agora que os juros voltam aos 4,2%, começamos a alarmar- -nos. Se calhar – imagine-se –, isto não vai lá só com beijinhos e ternuras. Se calhar – nem é bom pensar –, a realidade é menos influenciável do que se pensava. Se calhar – querem lá ver? –, o PR percebe pouco disto.

O VILÃO
Plano Nacional de Loucura
Descobriu-se que um livro recomendado pelo ministério às crianças do 8.º ano inclui doses generosas de "rachas", "cus", "pilas" e "putas". Seguiu-se a típica indignação. Ninguém se indigna pela obra em causa ser uma provável porcaria. Ou pela imensa lista de recomendações conter 19 (!) produtos de José Fanha, 10 de Manuel Alegre, 9 da antiga comissária do PNL e 5 de Isabel Allende. Ou pelo facto de uma aberração como o PNL sequer existir. Para cúmulo, a inclusão do livro citado deveu-se, cito, a "lapso informático". O resto é de propósito.

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Uma ideia peregrina