Alberto
Gonçalves – revista Sábado
Se
há coisa que os portugueses fazem ainda melhor do que resmungar é obedecer.
Pior, fazem-no sem desconforto aparente. E depois queixam-se. E depois obedecem
O
sacrifício público do dr. Centeno constituiu, como se diz no meio, um grande
momento de televisão. Privado do encantador sorriso com que nos brinda há ano e
meio, o homem surgiu com a descontracção de um sequestrado por terroristas. O
sequestrado, admita-se, não teria fornecido explicações menos convincentes. Nos
intervalos dos tremores, o dr. Centeno limitou-se a atirar novas patranhas
sobre as patranhas já conhecidas. Trata-se, sem tirar nem pôr, do método
adoptado pela doméstica sensata ao descobrir que o cabrito assou
excessivamente: pega fogo à cozinha inteira. Sucede que, sob a evidente
imolação do ministro, incêndios menores prosperavam. Uns provocados pelo dr.
Costa, que abusou de um pobre diabo para tipicamente salvar a própria pele.
Outros provocados pelo prof. Marcelo, que só garante a excelência do Governo
enquanto a respectiva incompetência não lhe cair em cima. O que não nos falta é
gente corajosa.
Curiosamente,
foram esses valentes ou valentes similares que passaram a semana anterior a
desvalorizar o "caso" da CGD, do dr. Domingues e das promessas ao dr.
Domingues (sem prova escrita – daqui em diante, condenações exigem confissão
escrita e papel timbrado). De acordo com as teses dominantes, o extraordinário
espectáculo em redor da "Caixa" não passava de "tricas", o
termo exacto utilizado pela dra. Ferreira Leite e por coincidência repetido num
ápice pelo dr. Costa. De seguida, a dra. Ferreira Leite lançou a frase
sacramental: as "tricas" desviam a atenção dos verdadeiros problemas
dos portugueses.
Ficámos
assim informados de que as aldrabices "institucionais" cometidas a
pretexto de um banco público e ruinoso não são um dos verdadeiros problemas dos
portugueses. Quais serão, pois, os verdadeiros problemas dos portugueses,
tantas vezes invocados? Ninguém sabe. E se alguém sabe, não diz. O que quem
manda nisto costuma inventariar é aquilo que não faz parte dos verdadeiros
problemas dos portugueses: por regra, tudo o que possa beliscar a oligarquia.
Por definição, a oligarquia não apenas determina o que não interessa à
populaça, mas principalmente percebe o que não interessa a si mesma.
Em
certo sentido, o verdadeiro problema dos portugueses é a ligeireza com que, por
necessidade ou apatia, se deixam manipular por uns rústicos que as peculiares
circunstâncias de um país pobre cobrem de poder, influência ou
"prestígio". A impunidade concedida aos senhores que, oficial ou
oficiosamente, nos tutelam não nasceu por milagre: é o resultado inevitável de
uma longa história de subserviência. Se há coisa que os portugueses fazem ainda
melhor do que resmungar é obedecer. Pior, fazem-no sem desconforto aparente. E
depois queixam-se. E depois obedecem.
O
BOM
Ryanair
Não,
o Porto não é o melhor "destino" porque uns sujeitos assim decidiram
em votação online. O Porto é hoje uma cidade aprazível porque os cidadãos
regressaram à nobre arte do comércio. E o comércio justifica-se porque há
turistas. E os turistas vêm sobretudo porque uma companhia aérea irlandesa os
transporta. O único mérito dos poderes públicos foi contemplar, pasmados, a sequência
de fenómenos, sem perceber, mas também, pelo menos até agora, sem estragar. A
indiferença do Turismo de Portugal não é incúria: é um favor.
O
MAU
Precisa-se:
tradutor no parlamento
Ouvir
o dr. Costa defender o ministro Centeno na AR impressionou muitos pela
concentração de intrujices. A mim afligiu-me mais a acumulação de desastres
lexicais, notável até pela EJJ (Escala Jorge Jesus). Certa ocasião, um
jornalista hoje intelectualmente falecido explicou-me que preferia o dr. Costa
a Passos Coelho porque com o primeiro poderia falar de livros. Imagino de que
livros falariam: a autobiografia de Zezé Camarinha, os poemas dos Xutos
reunidos, os ensaios de Raquel Varela, Anita Adquire um T4 à Custa do Amigo
Santos Silva, etc.
O
vilão
Então
não queimam o hijab?
O
actual Executivo sueco, repleto de senhoras, autoproclamou-se o "primeiro
governo feminista do mundo". Que bonito. E serve para quê? Até ver, para
criticar o sr. Trump. E para enviar uma delegação a Teerão, onde as bravas
feministas desfilaram embrulhadas nas farpelas exigida pela etiqueta islâmica.
As "causas" actuais sofrem deste problema: o desprezo instrumental
pelo respectivo objecto. Vale que nenhuma das ministras se parece com a loira
dos Abba nos idos de 1978, pelo que as farpelas não ocultaram nada de
relevante. Mas isto é o sexismo a falar.
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