domingo, 8 de janeiro de 2017

A figura do ano


Alberto Gonçalves – revista Sábado

A figura do ano é sem dúvida a que Marcelo Rebelo de Sousa andou a fazer desde que tomou posse. Durante anos, o talento do prof. Marcelo consistiu em convencer os portugueses de que era extremamente inteligente. Hoje, percebe-se que a inteligência é só a bastante para sobreviver de acordo com os próprios termos.
É sabido que a natureza tem horror ao vazio. O prof. Marcelo tem horror à impopularidade, por isso a natureza dele é o próprio vazio. Com apreciável rapidez, pulverizou o discutível prestígio do cargo e transformou-o num meio de promoção pessoal que intimidaria o sr. Trump. O homem posa para selfies. O homem distribui beijinhos. O homem visita escolas, estádios, hospitais, jornais, feiras, ditadores, rainhas e ginjinhas. O homem finge resgatar teatros. O homem pronuncia-se acerca do falecimento de cada habitante da Pátria. O homem condecora com fervor cada habitante ainda vivo. O homem está em toda a parte, e parte nenhuma está a salvo do homem.
Removido o frenesim, sobra nada, ou, para quem não tiver enlouquecido, a vontade de escorregar no sofá. O prof. Marcelo é o almirante Américo Thomaz com anfetaminas. Tem graça? Como o remoto antecessor, pouca – e sempre inadvertida. Mas convém não esquecer que, como o remoto antecessor, o prof. Marcelo legitima um poder no mínimo daninho. Os sucessivos elogios ao Governo são particularmente aterradores se tivermos em conta que, em apenas um ano, o governo limitou-se a sustentar clientelas, a obedecer (com curioso entusiasmo) aos delírios da extrema-esquerda, a aumentar a dívida, a reduzir o crescimento e a empurrar o que restava do País para a sombra do Estado.
O prof. Marcelo sabe que sem aderir à avassaladora propaganda do dr. Costa, os folclóricos embaraços que comete não passariam impunes nos media serviçais que, com escassas excepções, temos. Cavaco era regularmente fulminado por muito menos. No dia em que, por milagre ou descuido, o prof. Marcelo emitisse umas verdades – ou uma verdade que fosse – sobre a desgraça para que nos encaminham, o Presidente dos "afectos" que tantos comentadores exaltam morreria subitamente. Entretanto, a afectuosa exaltação ajuda a esconder os derrotados pela mentira, e a convocar o bom povo para a União Nacional.
Se apreciarmos teorias da conspiração, não custa acreditar que Sampaio da Nóvoa foi uma invenção socialista para assustar as pessoas com um PREC fora de horas e convencê-las a votar no prof. Marcelo. Porém, mesmo os cépticos não podem negar que, embora temperado pela "Europa" (enquanto houver) e pelo vício da mendicância (enquanto der), está em vigor o PREC possível. E que o prof. Marcelo, enfant terrible erguido a símbolo máximo do "sistema", é o seu avalista formal.
Um optimista consola-se com a ideia de que a História tratará de julgar tamanha farsa. O pessimista suspeita que, até lá, a farsa já tratou de nós, adormecidos pelas histórias que nos contam.

O BOM
O Natal é das crianças
Só ao fim de mais de um ano no poder é que o dr. Costa fez uma intervenção pública não inteiramente subordinada ao culto da mentira. Aconteceu no Natal, quando leu, com a dicção que Deus lhe deu, umas considerações sobre "educação" à frente de um cenário concebido por crianças de 5 anos – ou funcionários médios do PS. O dr. Costa admitiu que "o maior défice nacional é o do conhecimento". E quem visse a criatura, ouvisse a criatura, reparasse nos bonecos junto à criatura e soubesse o cargo da criatura, não podia discordar.


O MAU
Idiotas
A AR atribuiu o prémio Direitos Humanos ao eng.º Guterres por proezas que ele não cometeu (actividade em ONGs; trabalho científico ou literário). São 25 mil euros e, para o presidente da comissão que teceu o arranjinho, as dúvidas em volta deste são "questão de vírgulas". Acrescenta o requintado indivíduo que, "se há qualquer idiota que não concorda com a atribuição do prémio, que recorra". Recorra, vírgula, que o regulamento da coisa não permite. Além de sermos duplamente insultados, ainda temos de pagar por isso. Idiotas é o termo.

O VILÃO
Santa paciência
Já temos por aí espécimes ofendidos com quem lhes deseja um "santo Natal". O que significa isto? Nada, excepto que, como outras modas rústicas, esta chegou cá com anos de atraso. De resto, a "ofensa", evidentemente simulada, é uma maneira de cabeças ocas fingirem que há algo lá dentro. Na sua brutal inocência, julgam que tomar partido sobre ninharias faz as vezes de um pensamento elaborado, e que o fanatismo reforça a razão. Não faz e não reforça. Mas explicar-lhes isso seria tão inútil quanto abrir o Infantário Herodes e esperar clientes.

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