sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Para além da morte do Padre Minhava


BARROSO da FONTE
Depois de 97 anos de vida, a distribuir bondade, saber e  exemplo cívico, o que resta é seguir as linhas mestras que o Padre Minhava nos incutiu. Falo por mim que foi meu professor e maestro, meu complemento em coisas que têm a minha assinatura, mas precisei da dele e, em  cultura que muito me ensinou e que tão pouco aprendi.
Perdemos todos os Transmontanos, um dos mais lúcidos, mais sólidos e mais coerentes cidadãos do nosso tempo. Quase um século de uma convivência proveitosa, porque viveu para os outros e não me parece que tenha vivido para si. Permita-me o leitor que fale na primeira pessoa.
Há notícias que se escrevem e que podem gerar incomodidades. Mas quando se fala de alguém como foi o Padre Ângelo do Carmo Minhava, fica-se, com a quase certeza, de que falamos de um ser humano, verdadeiramente exemplar
Conheci-o em 1952, como meu professor de música. Nunca fui bom aluno em nada, nem sequer em música. Em dez anos solfejei, cantei e até regi algumas vezes, mas nas aulas e entre colegas. Fui barítono por escolha sua. Nessa condição cheguei a ir, integrado no seu orfeão, atuar aos estúdios da Rádio Alto Douro. Penso que era um brinquedo para o (depois, meu amigo) Carlos Ruela. Era um privilégio nesses tempos, em que não havia estúdios, nem televisões. Mas, de facto, apenas fiz letras que (os  hoje maestros) José Luís Borges Coelho e o Altino Moreira Cardoso, musicaram. Por não conseguir musicar, sinal de que aprendi pouco em dez anos, tive a rara satisfação de ver quatro poemas meus musicados pelo Mestre de nós os três, quais sejam: as letras dos hinos das Casas de Trás-os-Montes do Porto e de Guimarães, um soneto à morte de meu Pai e o poemeto: «da terra nasce o amor». Mas não fiquei a dever apenas esta formação musical. Pela vida fora foi lendo os meus escritos em jornais e em livros, em prosa e em verso,que produzi em mais de meio século. Sempre me escrevia a agradecer e a felicitar; e, algumas vezes, a puxar as orelhas, por excessos de linguagem ou discordâncias formais. Recordo que numa entrevista a Gil Silva e a Paulo Mourão ao programa «Perfis -Transmontano sem preconceito», questionado sobre - «o que tem a dizer sobre Pires Cabral, António Cabral e Barroso da Fonte, respondeu assim: - «embora discorde, por vezes, de certas efabulações do escritor Pires Cabral, reconheço nele um escritor de muito mérito... O dr. António Cabral é, desde jovem, vocacionado para as letras. Barroso da Fonte, idem, por vezes bastante conflituoso, mas frontal e grande patriota».
Nunca me reconheci tão bem caraterizado.
  De Ângelo Minhava fica, para além da morte, aquilo que todos nós deveríamos deixar: erudição, obras e exemplos de toda a natureza.
   A imprensa regional já noticiou o seu desaparecimento. Na imprensa diária, a começar pela RTP que se proclama de serviço público, ainda nada vi, nem ouvi, de entretida que anda com o futebol, com guerras de alecrim e de manjerona e com vedetas vazias de tudo, a não ser a espuma que lhes tapa as mazelas.
 Espero que o poder político distrital, desde Mondim de Basto a Montalegre, desde Vila Real à Régua, de  Chaves a Lagoaça, saiba perpetuar o nome e a obra deste Transmontano do tamanho das Fisgas de Ermelo e do simbolismo intelectual do majestoso Douro.       Barroso da Fonte

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