Zelosa, a AR aprovou
não um, mas dois votos de pesar pela morte de Fidel Castro, dois votos mais do
que o sujeito teve em 90 anos de vida. O voto do PCP (que louvou o "ideal
e projeto de construção de uma sociedade justa e solidária" e o
"amigo do povo português") contou com a aprovação de todos os
deputados comunistas, BE incluído, a oposição do CDS e, com poucas excepções
contrárias, a abstenção de PSD e PS. Quanto ao voto do PS (que refere o
"intenso e apaixonado debate entre os que aderem e os que se opõem"
ao "percurso ideológico e político" do falecido), foi aprovado pelo
PS (menos Sérgio Sousa Pinto) e pelos partidos comunistas, com a oposição do
CDS e, com poucas excepções contrárias, a abstenção do PSD.
Duas ou três
coisinhas. Não espanta a unanimidade de PCP e BE, tanto a decidirem em rebanho
como a exaltarem um assassino particularmente cruel e um dos maiores inimigos
de liberdade no século XX. Começa a não espantar o apreço de boa parte do PS
por ideologias totalitárias, que se tornou óbvia após a aliança de Novembro de
2015, embora não tenha nascido aí. É bastante deprimente que, por omissão, além
da cobardia e da pura idiotia, até o PSD - e, que eu saiba, Pedro Passos Coelho
- legitime tamanha vergonha.
Contas feitas,
directa ou indirectamente, cerca de noventa por cento dos representantes do
povo acham Fidel digno de encómios - ou no mínimo toleram-nos. Ou a
representatividade é uma fraude, ou é oficial que quase todos os portugueses
defendem regimes fundamentados na prisão, tortura e morte de dissidentes, na
perseguição de minorias sexuais e religiosas e, para os afortunados, na mera
opressão quotidiana, na censura e na miséria extrema. E em bailaricos de salsa.
Perante este cenário
sem esperança, resta apurar se os portugueses serão vítimas de circunstâncias
desafortunadas ou se merecem acabar mal. Porque não haja dúvidas: com a
alucinada gente que manda nisto, isto vai acabar mal. Entretanto, no regresso
de um feriado feliz, o país celebrou-se a si mesmo. Não nos falta orgulho no
passado. O que nos falta é futuro.
Quinta-feira, 1 de
Dezembro
Já é embaraçoso que
um adolescente dedique poemas à namorada, à vizinha, à mãe ou à menina que o
atende na loja da Meo. Mas que espécie de distúrbio leva um adolescente apenas
mental a dedicar poemas a um velho milionário que vivia nas longínquas
Caraíbas? Por outras palavras (e que palavras, Nossa Senhora!), o intelectual
Boaventura Sousa Santos escreveu uns versinhos, em rima branca, ao falecido
Carniceiro de Havana e nem uma junta psiquiátrica conseguirá explicar porquê. O
lado positivo disto é que o dr. Boaventura escreve tão mal quanto pensa e,
escusado acrescentar, o poema é uma galhofa pegada. E é a segunda vez numa
semana que Cuba nos proporciona alegrias.
Sabia-se há muito
que a veia lírica do dr. Boaventura rivalizava em grotesco com o seu trabalho
académico. Dos remotos poemas eróticos ("faz parte desta gota/ ser a taça
e alagar-se/ faz parte deste cisma/ ter entranhas e sujar-se/ faz parte deste
coito/ estar a um canto a masturbar-se") às incursões pelo rap
("Jesus caminha/ caminha com alguém/ que pode ser ninguém/ Allah caminha/
nas ramblas de granada/ e não acontece nada"), o homem é um mestre do
humor involuntário.
É também, sob
determinada perspectiva, um sujeito invulgar. Qualquer pessoa que tivesse
perpetrado semelhantes atentados à literatura fugiria sem deixar rastro no dia
em que os visse cair no domínio público. Em geral, as pessoas têm vergonha. Na
"poesia" (desculpem) e no resto, o dr. Boaventura não tem vergonha
nenhuma. Por isso, mal o cadáver do ditador arrefecia e, a partir de um
cantinho da Universidade de Coimbra, o mundo era abençoado com nove estrofes,
livres e com antecanto, em louvor dele.
Não disponho de
espaço para divulgar a peça na íntegra. Limito-me a notar que "Na morte de
Fidel" contém referências a "comboios da imaginação",
"manivelas de razão", "barcos polifónicos", "mobílias
espirituais", "turismo de acomodação", "supermercados"
e, claro, "azeite puro". Se o conteúdo parece saído de experiências
médicas, o objectivo é óbvio: o dr. Boaventura presta vassalagem à causa que
serviu a vida inteira, leia-se o despotismo de esquerda. O dr. Boaventura só
não publicou um soneto sobre o Violador de Telheiras porque o tipo não
desgraçou gente suficiente e, para cúmulo, se calhar vota no PSD.
Sábado, 3 de
Dezembro
Um crime hediondo
Parece que dois
pináculos do orgulho pátrio, Mourinho e Ronaldo, protegeram os rendimentos em
offshores para fintarem os impostos. Quem o diz é o Expresso, na convicção de
que se seguirá a indignação da praxe. Não duvido. Por algum motivo, certas
pessoas ofendem-se imenso com os "paraísos fiscais" e pouquíssimo com
os infernos fiscais que lhes deram origem. No sistema de valores em vigor,
querer guardar o que se ganhou através do trabalho é mau; deixar que o Estado
saqueie o que puder do trabalho alheio é bom. Faz sentido? Faz, principalmente
se pertencermos ao grupo, cada vez mais vasto, dos que não trabalham de todo.
Ou, pior ainda, dos que têm um trabalhão para que o saque continue.
Por decisão pessoal,
o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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