João Miguel Tavares - jornal público
O ambiente está
óptimo. As pessoas estão felizes. A esperança voltou. Que maravilha: voltámos a
viver num país espectacular.
Tem sido uma emoção
enorme, só comparável à vitória no Europeu de futebol: Portugal, sob a batuta
de António Costa, acaba de obter o maior crescimento de toda a zona euro no
terceiro trimestre de 2016, uns estrondosos 0,8 pontos percentuais (1,6% em
termos homólogos), coisa que já não se via desde 2013. Isso foi o suficiente
para ministros e deputados saltarem para a frente de todas as câmaras de
televisão a celebrar o resultado, e para o primeiro-ministro deixar palavras de
amor ao seu ministro das Finanças, o homem “que vai conseguir o melhor défice
do país dos últimos 42 anos”. Perante a frieza dos números, só nos resta a nós,
os amigos do diabo, colocar a cauda bifurcada entre as pernas e ir atormentar
outras terras menos pujantes, porque Portugal, esse, está espectacular.
Não há como não nos
juntarmos a este coro de entusiasmo. O país celebra efusivamente o facto de o
governo ter acertado pela primeira vez nas previsões de crescimento, depois de
a sua meta ter sido sempre revista em baixa, desde as promessas de Agosto de
2015 até aos dias de hoje. As previsões de crescimento para 2016 começaram em
2,4% (programa eleitoral do PS), desceram para 2,1% (primeira versão do
Orçamento de Estado de 2016), passaram para 1,8% (Orçamento de Estado de 2016
após negociações com Bruxelas) e agora vão em 1,2% (Orçamento de Estado para
2017). Perante isto, como não romper em aplausos quando se conclui que os
estrondosos 1,2% talvez sejam mesmo possíveis? Sim, sim, é verdade que há ano e
meio, quando a direita estava no governo e errava as contas, o deputado João
Galamba denunciava a falta de credibilidade do PSD. “Falharam colossalmente na
sua primeira estimativa”, escandalizava-se ele. Mas isso, caros leitores, era
antigamente. Agora o poucochinho é o novo muitíssimo, porque o país está
espectacular.
E, por favor, não
sobrevalorizem o valor da dívida, está bem? Em Março deste ano estava em 128,9%
do PIB e no final do primeiro semestre já tinha subido para os 131,6%. Mais um
recorde para o país. No Programa de Estabilidade 2016-2020, o governo
comprometeu-se com uma redução da dívida pública para os 124,8% em 2016. Agora
já aponta para 129,7%. É a vida. Se por acaso ainda for daqueles que se lembra
do então líder da oposição António Costa a indignar-se com as “más notícias” que
representava a chegada da dívida portuguesa aos 128,7% do PIB em 2014, clamando
por uma “economia sã” para ter “finanças públicas sãs”, esqueça lá isso. Foi há
muito, muito tempo, quando o verdadeiro diabo ainda estava no governo. Hoje em
dia, quem é que se chateia com um pequeno desvio de cinco pontos percentuais no
PIB? Mais nove mil milhões de euros, menos nove mil milhões, interessam pouco
quando o país está tão espectacular.
E quanto aos juros
da dívida a 10 anos, deixem lá isso, que o pessimismo nunca fez bem a ninguém.
Há que sorrir, ter confiança e seguir em frente. Não vamos dizer que não seja
um bocadinho aborrecido os juros já se terem aproximado dos 3,8%. Não vamos
dizer que estes valores não são o dobro da Espanha e o quádruplo da Irlanda. Não
vamos dizer que a DBRS não avisou que estava “confortável” com a sua notação do
país “com taxas até 3,5% ou 4%”. Não vamos dizer nada disto, porque já
todos sabemos que existem dificuldades. Mas vejam o lado positivo. O ambiente
está óptimo. As pessoas estão felizes. A esperança voltou. Que maravilha:
voltámos a viver num país espectacular.
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