domingo, 16 de outubro de 2016

Um país parado à beira do caminho

 
João Miguel Tavares - jornal Público
O primeiro-ministro não tem dinheiro para comprar nova mobília nem poder para mandar velha mobília fora, por isso resta-lhe mudar as jarras de sítio.

Este governo não tem tempo para governar o país porque gasta o tempo que tem a governar-se a si próprio. Portugal é apenas o cenário para os seus arriscados equilibrismos; menos uma governação do que um número de funambulismo, com António Costa permanentemente em cima do arame. De um lado o Bloco de Esquerda e do outro o PCP. De um lado as regras europeias e do outro o discurso do fim da austeridade. De um lado a dura realidade hayekiana e do outro os doces sonhos keynesianos. De um lado as agências de rating e do outro a cartilha anticapitalista. Como é que se compatibiliza tudo isto? Só com muito tempo e uma dose cavalar de simulações, distorções e cara de pau.
Na sexta-feira, estava a ver o debate parlamentar que antecedeu a entrega do Orçamento e Pedro Passos Coelho perguntou a António Costa pelo crescimento. Onde é que ele está, o tão anunciado, desejado e prometido crescimento, através do qual seria virada a “página da austeridade”? Não está, claro. E não estando, a consequência deveria ser óbvia: se a receita que o governo aplicou em 2016 não produziu crescimento, como é possível acreditar que a aplicação da mesma receita vai produzir crescimento em 2017? Pedro Passos Coelho repetiu três vezes a pergunta e apenas recebeu de António Costa tergiversações, manipulações de números e mentiras descaradas, que encaixam na perfeição naquilo que hoje em dia se começa a chamar, muito à boleia de Donald Trump, de “política da pós-verdade” – já não há factos mas apenas interpretações, uma bonita frase nietzschiana que é a morte de qualquer base de entendimento para o debate político.
Eu tive vergonha do Parlamento naquele momento. Costa chegou a sugerir que o objectivo do crescimento é criar emprego, e visto que o desemprego diminuiu, então os números do crescimento não são assim tão importantes. Mas como no final do debate descobri que a maior parte dos comentadores atacava Pedro Passos Coelho por estar sempre a fazer a mesma pergunta e não António Costa por esfregar a sua desonestidade intelectual na cara de todos nós, fui obrigado a concluir, mais uma vez, que só temos o que merecemos.
O novo orçamento é igual ao de 2016 porque António Costa não tem margem de manobra para mais nada. O primeiro-ministro não tem dinheiro para comprar nova mobília nem poder para mandar velha mobília fora, por isso resta-lhe mudar as jarras de sítio e chamar a isso um Orçamento do Estado. Costa e Mário Centeno tiveram em tempos um plano, sim senhor, mas dele não restou nada após as negociações para a formação do regoverno, e o resultado é o que se vê: a estagnação é já assumida pelo próprio governo nos seus números de crescimento para 2017 (ao menos isso). E assim continuaremos até ao dia em que o financiamento externo voltar a tornar-se impossível. Há um ano, recorde-se, o PS prometia um crescimento de 3,1% para 2017. Onde está ele? A bem dizer, António Costa respondeu a Passos Coelho via Orçamento do Estado – não, ele próprio já não acredita que as políticas do seu governo consigam pôr Portugal a crescer.
Somos um país parado à beira do caminho. Um país mais uma vez adiado, graças a um conjunto de acordos assinados por um homem que atou voluntariamente os seus pés e as suas mãos para ser primeiro-ministro. António Costa é um político altamente capacitado, só que todo o virtuosismo foi colocado ao serviço da sua mera sobrevivência. É um virtuosismo muito útil para si. Mas absolutamente inútil para o país.

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