O
escândalo é este: tudo isto era previsível, e era exactamente por ser
previsível que uma política de reposições aceleradas é um crime.
Hergé
percebeu tudo sobre a malandrice portuguesa quando criou Oliveira da Figueira
para alívio cómico nos livros de Tintim: com bonomia e um sorriso nos lábios,
somos excelentes a aldrabar. Tintim encontra pela primeira vez o vendedor
português em Os Charutos do Faraó, e
acaba a cena carregado de tralha que não lhe serve para nada, sem sequer dar
por isso. “Que diacho de homem!...”, suspira Tintim após adquirir um par de
skis para usar no deserto. “Felizmente, não me deixei ir na conversa dele, se
não acabava por lhe comprar uma data de coisas perfeitamente inúteis.”
António
Costa é o novo Oliveira da Figueira. Enquanto vai subindo alegremente nas sondagens
(no barómetro mensal da Aximagem, o PS já está seis pontos à frente do PSD - Tempo Caminhado: A incrível sofisticação das
sondagens em Portugal), o país
continua a comprar-lhe vários pares de skis para usar no deserto. Ainda na
semana passada, quando confrontado com os péssimos números do crescimento, do
desemprego, do investimento e das exportações, o primeiro-ministro declarou
oliveirafigueiramente: “Se não tivéssemos apostado na devolução de rendimentos
às famílias e no aumento da procura interna, as dificuldades de crescimento
seriam ainda maiores.”
É
uma frase extraordinária. Reparem: António Costa recorre a uma política que boa
parte dos economistas garantem que irá estagnar o país; o país estagna; e Costa
conclui: “Se não tivéssemos apostado no mercado interno, ainda iria estagnar
mais.” Ó senhor Oliveira da Figueira, eu diria que há aí pelo menos duas
notáveis aldrabices (Seis meses de geringonça, modo de usar - Observador ).
Para
ilustrar a primeira aldrabice, regressemos ao par de skis: eles até podem ser
óptimos, só que não servem para o deserto. Quando apelidei as políticas do
regoverno de keynesianismo para totós, não é porque eu acredite que o
investimento público, ou o aumento de salários, seja sempre mau, em qualquer
altura – é porque Portugal não tem, neste momento, condições para se endividar
mais. Alguém disse, e com inteira razão, que pedir a uma pessoa para dizer se é
a favor ou contra o investimento público é como pedir-lhe para dizer se é a
favor ou contra luzes acesas. Depende, não é? Na Alemanha, o Estado está a
gastar de menos. Em Portugal, está a gastar de mais.
Mas
a segunda aldrabice é a mais escandalosa. Os motivos que estão a ser apontados
pelo governo, e por muitos opinantes que concordam com as suas políticas, para
a estagnação económica portuguesa e para o consequente erro nas previsões do
crescimento, são inaceitáveis. Peguemos na crise em Angola, um mercado
fundamental na performance das exportações. Angola cortou 45% nas encomendas
aos exportadores nacionais, o que, só por si, levou a uma queda de 2% nas
exportações do primeiro trimestre. Mas digam-me: alguém tinha dúvidas de que
isto iria acontecer?
É
que o ponto é este, e não outro. O petróleo bateu nos 40 dólares por barril em
Agosto de 2015. Foi há nove meses. O próprio António Costa referiu em
entrevista à SIC que a desaceleração já vem do segundo mestre de 2015. Verdade.
Mas, então, o que é que justifica as previsões absurdas de crescimento por
parte do governo? António Costa não pode empurrar os portugueses do parapeito e
dizer de seguida: “reparem que a culpa é da gravidade”. O escândalo é este:
tudo isto era previsível, e era exactamente por ser previsível que uma política
de reposições aceleradas é um crime. Mas lá está: desde que o estripador seja
amável, nós até abrimos a camisa para ele poder espetar melhor.
Nota: as ligações a dois sites,
neste artigo de João Miguel Tavares, são da inteira responsabilidade do editor deste
blogue.
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