03/05/2016 - 00:05
Para criar a linha imaginária que une a actual direita ao regime
salazarista vale tudo – incluindo combater a “reescrita da História” com a
reescrita do historiador.
No Verão de 2012, o jornal Expresso começou a publicar a História de
Portugal de Rui Ramos em fascículos gratuitos. Assarapantado pela exposição de
tão insidiosa obra às massas ignaras, Manuel Loff assinou um par de
inconcebíveis artigos neste jornal – inconcebíveis não por divergirem das
interpretações de Rui Ramos acerca do Estado Novo, mas por deturparem de forma
escabrosa e escandalosa vários excertos da obra, de forma a melhor encaixar
Ramos e a sua História de Portugal na tese do “revisionismo histórico”. Segundo
muitos dos nossos intelectuais de extrema-esquerda, há por aí uma quinta-coluna
de historiadores de direita obcecados em cortar nas gorduras ditatoriais e
fascistas do Estado Novo, para branquear o seu legado histórico e abrir portas
a um novo salazarismo século XXI.
Filipe Ribeiro de Meneses |
Pensei logo: “Oh, não, cá vamos nós outra vez.” E fomos mesmo. A meio do
texto lá regressava o nome de Rui Ramos, acompanhado de Vasco Pulido Valente,
ambos acusados de carregarem nas tintas caóticas da Primeira República (uma
maravilha de paz e harmonia, como todos sabemos) para dessa forma “legitimar a
ditadura militar e o salazarismo que lhe teriam sucedido como aurora
redentora”. Pergunta de um milhão de euros: não sendo Rosas um Loff, por que
raio sente ele necessidade de vir aldrabar o pensamento de dois académicos
portugueses, empurrando mais uma vez a pobre historiografia nacional para a
lama do mais rasteiro combate ideológico?
A resposta está no título do artigo: isto não é um combate sobre o
passado, mas sobre o presente e o futuro. A História é a retaguarda da
política. Rosas dá um exemplo prático das consequências do “apagão selectivo da
memória”: “É mais fácil impor as 10 ou 12 horas de trabalho aos operários da
indústria automóvel se se lhes apagar a memória dos rios de sangue que correram
para que a classe operária europeia ou americana conquistasse a jornada de oito
horas de trabalho”, disse ele, ao mesmo tempo que tentava apagar a memória da
classe operária portuguesa, que não anda a discutir a imposição das 10 horas de
trabalho ao sector privado mas o regresso das sete horas de trabalho ao sector
público.
Para criar a linha imaginária que une a actual direita ao regime
salazarista vale tudo – incluindo combater a “reescrita da História” com a
reescrita do historiador. O truque é velho: basta colocar na boca dos outros
aquilo que eles nunca disseram. Mas é triste, até pela consideração intelectual
que merece a obra do historiador Fernando Rosas. Foi uma pena ele não ter
podido comparecer à sua própria jubilação.
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