Quando não assiste a partidas de futebol
ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo ou inaugura cidades do futebol (?)
ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo, António Costa diz coisas. Há
dias, com a habitual sofisticação, disse por exemplo que o PSD defende os
exames apenas para apurar "a raça dos eleitos". Quem nos dera que
fosse verdade: a exigência escolar, caso existisse, separaria os espertos dos
espertalhões e, entre outras vantagens, impediria que criaturas sem préstimo
chegassem a primeiro-ministro. Como a raça se mede por baixo, são os
literalmente não eleitos que mandam nela e dispõem de poder para cometer as
calamidades que bem entendem.
Também há dias, o dr. Costa - que em Junho
passado lamentou que Portugal não comemorasse o 1.º de Dezembro ou, na
ilustrada cabeça dele, "a sua data fundadora" - convocou uma
cerimónia solene para devolver à nação os quatro feriados que lhe faltavam:
Corpo de Deus, Implantação (género prótese) da República e Todos-os-Santos,
além do citado. É o retorno dos "momentos históricos" do eng.
Sócrates, que chamava fanfarras para inaugurar um armazém de pneus. Só é pena
que o dr. Costa não organize liturgias assim bonitas para assinalar cada
aumento dos combustíveis.
Na
presença de vultos do calibre dos ministros da Cultura e da Defesa, do sr. Pio
e de um ex--vice-presidente de Vale e Azevedo, todos ilustres representantes da
capacidade selectiva do nosso ensino, o dr. Costa notou haver "princípios,
valores e acontecimentos fundamentais cuja memória e celebração não podem estar
à mercê de cálculos ocasionais, de impulsos ideológicos e de fins
propagandísticos". Felizmente, os tais feriados não devem integrar as categorias
acima, pelo que se adaptam com primor aos cálculos, à ideologia e à propaganda.
Depois, com o fervor épico de um almirante Thomaz, o dr. Costa falou em
"pedagogia cívica", "sentido patriótico", "atitude
contemporânea" e "capacidade de mobilizar" os portugueses. Tudo
isto a pretexto de uma golpada de rústicos e de uma insurreição que nos livrou
do salário médio espanhol, mais as festas cristãs que tanto comovem a maioria
de esquerda.
Enquanto sociedade, nunca nos distinguimos
pela lucidez, traduzida na responsabilização dos políticos e na suspeita de que
os actos implicam consequências. Mas começa a ultrapassar-se até os nossos
folgados limites. Não é a questão dos feriados, irrelevante sob ambas as
perspectivas, mas o Carnaval grotesco que adorna a respectiva
"reposição" e esconde mal, muito mal, o resto. Não é o regresso à
perigosa leviandade de Guterres e Sócrates, mas o gozo infantil que agora a
acompanha. Não é o altíssimo risco de nova falência e de novo
"resgate", mas a alegria ou a apatia com que os aguardamos. Não é o
sermos enganados, mas o sermos enganados por burlões desastrados e assistirmos
resignados à burla.
A
palavra final ao dr. Costa: "Temos de saber que Portugal não começou
connosco nem vai acabar connosco." Pois não: o provável é que eles acabem
com Portugal. Ao lado do excelentíssimo Presidente Marcelo.
Quarta-feira, 30 de Março
Os
descaminhos da fé
As
más notícias sucedem-se. Não só o Estado Islâmico já ameaça directamente
Portugal como continua a recrutar portugueses, sobretudo em Lisboa e na zona
centro. O único consolo chega das autoridades belgas, que enfim descobriram a
explicação para a capacidade de sedução do bando de psicopatas: "Os nossos
jovens são vítimas de SMS propagandísticos." E de "predadores",
acrescenta o Guardian. Trata-se, afinal, do que sempre suspeitei: aquilo no
fundo é gente impecável, desviada pelas proverbiais más companhias para
rebentar com terceiros e outros gestos talvez censuráveis. Antes que a coisa
chegue ao aqui norte, à cautela já desliguei o telemóvel.
Quinta-feira, 31 de Março
Da
vergonha diplomática
Em
Outubro passado, o caso Luaty Beirão inspirou Mariana Mortágua a escrever uma
crónica violentíssima no Jornal de Notícias. Aí, a deputada do BE atacava com
firmeza "a impunidade de que José Eduardo dos Santos beneficia para manter
o seu regime de corrupção e ataque aos direitos humanos". E não se
esquecia, antes lembrava-se a cada parágrafo, de apontar as "especiais
responsabilidades" do governo português "nesta vergonha
diplomática". Estava lá tudo: o ministro Machete, que se desculpava pelas
investigações a figuras do regime de Luanda; o ministro Portas, que visitou a
cidade; Cavaco Silva; Ricardo Salgado; etc. Enquanto, por reles interesses
materiais, o poder daqui fechasse os olhos ao poder de lá, a apurada
sensibilidade social da dona Mariana nem a deixava dormir em condições. Que
mulher enorme.
Infelizmente, bastou um semestre para
encolher. Há dias, Luaty Beirão e os seus parceiros foram condenados a cinco
anos de prisão e, para que não a acusassem de incoerência, a dona Mariana
voltou à carga no JN. Nova crónica, a velha luta pela liberdade de expressão.
Pelo meio, nem uma referência ao nosso governo. O governo alterou as relações
económicas com Angola? Descontadas as encenações na AR, não consta. Nem consta
que a anunciada visita àquelas bandas do PM (e do PR) seja acompanhada por um
exército libertador. O que mudou? As conveniências, ou os titulares do governo
e o apoio do BE ao mesmo.
Se
custa ver PSD e CDS votarem ao lado do PCP, nesta ou em qualquer matéria, custa
mais ver as meninas do Bloco passarem por campeãs dos direitos humanos. A menos
que a pulhice tenha agora outro nome.
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