BARROSO da FONTE |
Adquiri um dos primeiros exemplares da 1ª
edição das Cartas de Amílcar Cabral para Maria Helena Ataíde Vilhena Rodrigues,
nascida em Casas Novas (Chaves), sua condiscípula no Instituto Superior de
Agronomia, com o qual casou e de quem teve duas filhas: Iva (coordenadora
destas cartas e reitora da Universidade Lusófona de Cabo Verde) e Ana Luísa que
vive em Braga, onde sua mãe faleceu e foi sepultada, em 2005.
Amílcar Cabral estagiou na Zona Agrária de
Trás-os-Montes, conheceu Casas Novas e foi primo, de Nadir Afonso e também do escritor Júlio
Amorim de Carvalho. Maria Helena e Amílcar Cabral (pai da Independência da
Guiné) foram compadres de outro notável casal, igualmente pais da República
Popular de Angola e igualmente ligados a Trás-os-Montes. Refiro-me a Maria
Eugénia da Silva e ao médico Agostinho Neto. Ela nasceu em Montalegre em 8 de
Março de 1934. Com 83 anos, está ainda cheia de saúde e de genica intelectual,
continuando a publicar poesia e prosa de boa qualidade e a trabalhar pelo
enraísamento da Fundação Agostinho Neto.
Tive a felicidade de ser filho de um
trabalhador rural que prestou serviço no Posto Experimental Agrícola de
Montalegre, ao tempo em que o estagiário Engº Amílcar Cabral ali estagiou. Meu
pai falou-me dele, com muita ternura, pela sua educação e simplicidade. Dali
partiu com a Esposa para África, onde ele lutou pela grande Causa que assumira,
no seio da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, com Agostinho Neto e
vários outros mentores da libertação dos Povos Africanos que foram partes
integrantes de Portugal. Tive o azar (de que não estou arrependido) de ter sido
mobilizado para prestar serviço em Angola, como oficial miliciano ranger. Nunca
dei um tiro, nem usei qualquer granada para «matar» negros. Ao contrário do que
escreveu António Lobo Antunes, na sua escrita mentirosa e infame, sobre este
tema. Já afirmei muitas vezes que, ao
contrário do que ele escreve no tocante a mortos, eu e muitos milhares,
pacificámos, instruímos e até fizemos amor com alguma daquela Gente como nós,
que nos compreendia, nos respeitava e que, ainda hoje, suspira por nós, face à
frustração dos maus políticos que nos têm governado. É importante que isto se
diga aos quatro ventos, já que a guerra do Ultramar não foi desencadeada para
isso, nem os combatentes eram mobilizados para «matar», para destruir ou para
pilhar aquilo que tinha dono.
É
certo que essa guerra era estúpida, fratricida em casos pontuais, com minas,
emboscadas ou golpes à mão armada. Mais ou menos como nos dias de hoje, na
metrópole, também as forças da segurança, cercam bairros, operações stop ou ou
coisas do género, não para matar, mas para revistar, apreender droga, material
proibido, ou capturar marginais.
Essa guerra tinha de acabar porque, durante
treze anos, ela não era travada com os
profissionais que voluntariamente
escolheram esse modo de vida, mas pelos soldados em geral e pelos
milicianos que eram recrutados à força para substituir aqueles militares, com
patentes de alferes a capitão. Quem deveria ter reivindicado estatuto igual
para tarefas iguais, eram os milicianos e não os do quadro. Mas como eram
aqueles que possuíam as armas e o poder do comando, prevaleceu a lei do mais
forte. Eis como se operou o 25 de Abril que foi justificado com a «salvação do
povo», mas foi – isso sim – para impor
uma reivindicação de classe. Foi um golpe de estado para impedir o acesso dos
milicianos aos postos que os do quadro impunham como, exclusivamente, seus.
Postos que, durante 13 anos, os milicianos desempenharam, competentemente, servindo,
ora como comandantes de pelotão, como de companhia.
Numa altura em que começam os filhos, os netos e os bisnetos, a impor os
seus direitos cívicos, chegam também factos que ajudam a clarificar as novas
gerações para que se dê voz aqueles (pais) que nunca puderam expor as suas
razões. São horas de transmitir a verdade que nunca nos foi reconhecida. Esta
inveja e raiva profissionais nunca foi explicada às novas gerações.
Ora o volume de cartas de Amílcar Cabral para a sua mulher Maria Helena,
vem clarificar muitas dessas verdades.
Em primeiro lugar o racismo evidente: cada território africano exigia
ser governado pelos naturais desse território. Sobretudo os líderes desses
movimentos não podiam casar com brancos. Rua, pois, com brancos fosse por causa
da cor da pele, fosse pelo direito de posse da terra.
AGOSTINHO NETO e a esposa MARIA EUGÉNIA |
Quando ocorre o 42º aniversário do 25 de
Abril de 1974,vale a pena ler este livro que para além de homenagear o cérebro
do PAIGC e de quase todos os restantes movimentos independentistas, foi um
homem culto, educado, pai amoroso e, ao mesmo tempo um verdadeiro agente da
Língua Portuguesa.
Barroso da Fonte
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