Por: Costa Pereira - Portugal, minha terra.
O jornal Poetas & Trovadores,
suspendeu a publicação no fim de 2015. No seu ultimo número, desabafava, em
editorial, o seu proprietário e director: “Escrevo esta crónica nostálgica no
dia de Natal de 2015. Talvez seja o editorial mais desolado de quase 63 anos de
jornalismo. Iniciei-me em 24 de Janeiro de 1953. Raros foram os dias em que não
escrevi, fosse o que fosse. Quase sempre para reivindicar justiça,
solidariedade e paz social. De pouco me valeu, pela vida fora, este frémito que
os poderosos usam e abusam para espezinhar, cada vez mais os indefesos, os
inválidos e os famintos….”. À volta do acontecimento já escrevi a seu tempo,
hoje o motivo, ainda que evoque o nome
jornal, é outro; tem a ver com uma mensagem pessoal que recebi ontem, dia 06,
do meu amigo e ilustre confrade, João de Deus Rodrigues, onde desta forma se
lamentava : “Boa noite caro amigo.
Acabei de receber o texto desta crítica
literária, escrita para o Jornal Poetas e Trovadores, que o director dr. João
Barroso da Fonte se esqueceu de publicar no último número do jornal,
relacionada com o meu último livro de poesia. Desculpem-me a imodéstia, mas
quero partilhá-la com alguns amigos por quem tenho especial consideração e
amizade, e me têm acompanhado nas minhas escritas, ao longo dos anos. Com as
minhas desculpas pelo incómodo, apresento os meus respeitosos cumprimentos”.
Depois de ler e apreciar a critica feita pela distinta crítica literária,
Professora Júlia Serra, decidi tomar a liberdade de divulgar o trabalho em
post. Aí vai:
“João Rodrigues organiza o seu livro em
“Memórias” e “Divagações”, contendo cada uma das partes trinta e um e trinta e
três poemas, respetivamente. A conjunção coordenativa copulativa “e” desfaz a
aparente dicotomia que os dois nomes abstratos poderiam, eventualmente, fazer
pressupor. Na realidade, e tal como A. M. Pires Cabral explicou no prefácio,
estas duas funções em epígrafe são complementares: “ As duas coisas acabam
porém por não ser contraditórias, mas complementares” (p.5) . O poeta ao evocar
a sua memória, na companhia de muitas testemunhas que podem conferir algumas
dessas coordenadas de tempo e de lugar, está, por um lado, a desafiar a
plenitude da sua vida e, por outro, a revelar a fidelidade às raízes que
pretende incorporar nos poemas, como garante de identidade de um espaço e de um
tempo. Esse tempo, hoje privilegiado para a criação poética e palco para as
suas recriações no espaço real e metafísico trabalhado pelo imaginário.
Não se trata, portanto, de uma obra
superficial, mas de poemas nascidos da profundidade emocional de um eu desperto
para o mundo em que o pulsar das memórias contribui para reforçar laços
familiares, como os poemas à filha ou à mãe:” Mãe, o teu colo era tão doce e
acolhedor/Quando me sentavas nele,/”(p.13), relembrar os lugares da infância:
Recordações da minha escola primária (p.69) e descrever o cenário da aldeia, em
contraponto com o da cidade: “Gosto da minha cidade!/ Gosto da minha cidade, e
por isso emprestei-me a ela/”(p.16) A cidade acolheu-o, mas a aldeia está nas
suas veias, emociona-o e desperta-lhe as emoções primordiais: “Apetece-me o
silêncio das pedras/O cheiro da terra/O brilho das estrelas/E o perfume das
serras”(p.16).
O poeta é, antes e sobretudo, “filho das fragas” (p.16. As origens e o
passado cruzam-se com as mundividências do presente, assim como o espaço
citadino é, por vezes, a alavanca intertextual do espaço rural. Cada poema tem
uma história e são esses pedaços de vida que constroem a tessitura poética de
memórias e divagações. Há uma unidade, aparentemente inconciliável, mas, de
facto, bem entrosada, nestas duas partes constituintes da obra. São as memórias
que despoletam as divagações e, por seu lado, estas desaguam sempre no mesmo
cais memorial; por isso, em “Divagações” surgem: aves “o melro de pena branca
na asa”, cânticos à terra e à gente transmontana “o berço de um néctar
divinal”(p.106), orações aos santos da
sua devoção ”Oração à Senhora da Agonia(91), pobres que mendigavam o pão:
“Chegavam e batiam às portas uma vez por ano./ Eram tão certos como as
andorinhas na Primavera”/. (p.131),mas aparecem também locais citadinos do
presente, evocando o Tejo, os pastéis de Belém ou até factos bem recentes, mais
de índole política, referindo a chegada da Troika “A chegada de ‘’ET’’ modernos
“(p.84).
Saliento, no entanto, os poemas “As
palavras” e “o poema que não quero escrever” - os dois últimos textos do livro.
O primeiro é um hino às palavras: “ É com palavras que se descreve/ Tudo aquilo
que existe no mundo.” (p.134). São/foram essas mesmas palavras evocadas por
Torga e Eugénio de Andrade. Em Mudez, Torga dizia:” E todo o santo dia me
rasguei/À procura não sei/De que palavra, síntese ou imagem!”, Eugénio de
Andrade referia-se à sua natureza: ”São como um cristal,/as palavras./ Algumas,
um punhal,/um incêndio./Outras,/orvalho apenas.” Pelas palavras o poeta
eterniza-se, grava-se, gravando-as em “papiros, mausoléus e catedrais”(p.134)
mas são essas mesmas palavras que ferem e amam de uma forma mais direta ou
metaforizada. O segundo poema “O poema que não quero escrever” acaba por ser
escrito, e é muito esclarecedor, quando o sujeito poético diz: “Não sei. Eu não
quero usar palavras/Sem carácter e sem mensagem e harmonia,/Para escrever um
poema sem amor,/E sem beleza e fantasia…”(p.136). Num passo mais adiante acrescenta: ” Porque
um poema só é poema,/Quando é escrito com amor”/(p.136). Ora esta é a
verdadeira chave da poesia de João Rodrigues - escrever com amor - se não
sentir o pulsar da emoção e da harmonia, as palavras não saem perfeitas.
Trata-se de um livro de aparência e
formato simples, com um interior duplamente rico, quer pelas mensagens
poéticas, quer pelas ilustrações que acompanham alguns poemas. A tríade
constituída por João Rodrigues, Pires Cabral e pelo ilustrador Luís Manuel Pereira
contribuiu para que a obra encarnasse a simbologia do número três – um número
que exprime uma ordem intelectual e espiritual.
O poeta aqui transcende o efémero, abrindo
caminho para a inteligibilidade do real e do imaginário, trabalho esse que cabe
ao leitor desvendar, através de múltiplas leituras. - Júlia Serra”.
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