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JORGE LAGE |
Dos
nascidos na década de quarenta e cinquenta do século XX, no mundo rural da
Terra Quente, não se lembra da primeira malha a pulso, na eira varrida? Era
fruto duma colheita anterior que não chegou para a renda e aconchegar o estômago
e o pão deixava a arca limpa. Outras vezes, um filho pródigo vendia o que era
de todas as bocas da família e não havia mais pão. O alarme era dado com
semanas de antecedência pela dona da casa. Depois, corriam-se os pães mais
soalheiros para ver qual era a que ameaçava aloirar. O Maio escaldante fazia o
resto e, depois dos 25, já se aguçavam as seitouras e o pão tombava às mãos
cheias, para ficar um dia ou dois em tendal, enquanto se untavam com sebo os
couros dos malhos e as mulheres com vassouras, de couras ou de cáximos, varriam
o melhor chão da eira. Uma manhã com o sol bem escaldante, estendia-se o pão na
eira, em corredor, espigas com espigas e a quatro, a seis ou a oito malhadores,
os malhos rebimbavam, dois, três ou quatro de um lado e outros tantos do outro.
Enquanto os de um lado rebimbavam e desciam sobre as espigas loiras e avançavam
um pouco, outros batiam impiedosamente nas espigas e recuavam e redopiavam
lentamente. De um lado uma voz rouca e baixa comandava com um ofegante «ããã…ã»,
os malhos que desciam e batiam e já os opostos estavam a iniciar a descida com
outro «ããã…ã», de timbre diferente. E iam rodando e recuando ou avançando como
se uma grande máquina humana tivesse um só coração. As mulheres com os lençóis
de linho (liteiros ou mantas no Minho) faziam uma cortina para deter o grão de
pão que queria saltar para mais longe assustado. A seguir retirava-se a palha
para as baraças da segada do trigo e acribaba-se o pão. Seguia o primeiro
taleigo para a azenha e no dia seguinte já havia pão novo. Era o pão das
aflições, da primeira e apressada segada, porque a maior demorava mais uns dias
e a acarreja para a eira ainda demorava mais umas semanas e mais para o motor a
tratol fazer girar as correias e a malhadeira.
Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com –
26FEV2016
Provérbios ou ditos:
Em
Março, morre a fraca, a colmeia, que não a vaca.
A
castanha é de quem a come e não de quem a apanha.
Pelas
obras e não pelo vestido é o homem conhecido.
Pão Novo de Milho *
Não quero fazer sozinho,
Por isso conto convosco,
Pra escrever poema tosco,
Saltar o muro dos campos,
Escrever nas espigas do milho,
Matar a fome a um filho,
Que não chegou por encanto
Esconder poemas no monte,
No ninho da cotovia,
Que cedo os lava na fonte,
E os canta ao longo do dia,
È sempre no fim do Verão,
Saudades que ainda lembro,
Do sabor que tem o Pão,
Feito do primeiro grão,
Seco no mês de Setembro.
* Poema inédito de Abílio Bastos, escrito
em Timor em 1967 ou 1968.
Nota1: Tinha-se acabado o pão do ano
anterior. O milho verde mudava a cor e as espigas saíam fora do folhelho com os
seus grãos dourados. A mãe colheu as mais maduras e colocou-as ao sol atrás da
casa. Dois dias bastaram para secarem. Depois, desgrenhou-as á mão, e deixou o
grão a secar por mais uns dias, sobre um liteiro. Quando teve vaga
no moinho, lá foi moer o milho, cuja farinha tinha um cheirinho especial. Era o
pão novo cosido no forno de pedra. Era sempre, no mês de Setembro. Tinha a
certeza que era igual para todos os meninos e lançava um desafio. (Abílio
Bastos)
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