E quando metade da população andava convencidíssima de que, em última instância, o PS nunca estabeleceria uma aliança com os partidos comunistas? Parece que foi há décadas. Mas foi há quatro ou cinco meses, e hoje já quase ninguém se lembra de que os socialistas nem sempre foram uma filial, ou o braço político, de PCP e BE. Em Fevereiro de 2016, a extrema-esquerda aprovou em coro o Orçamento do Estado e, para efeitos práticos, assinou a nossa candidatura de adesão ao Terceiro Mundo. O dr. Costa comemora o sucesso das "alternativas".
Toda
a gente dissecou o sem dúvida relevante acontecimento, uns com natural horror
face ao desastre iminente, outros com o entusiasmo próprio dos ingénuos, dos
fanáticos ou dos beneficiados. Por mim, não nego que o, até ver, maior
indicador da loucura a que descemos mereça cada comentário. Apenas prefiro, se
me dão licença, procurar essa toleima colectiva nas pequeninas coisas. Um
artigo de Isabel do Carmo no Público, por exemplo.
O
artigo em questão intitula-se "Impostos e gordura" e, desde que o li
na quarta-feira, vem sendo, para citar a péssima literatura, uma fonte de
perpétua descoberta. Raramente tão poucas linhas chegaram para arrasar as teses
alusivas à evolução da espécie. Aliás, a fundadora das Brigadas Revolucionárias
é especialista em esbanjar teses que mostram o atraso do espécime (notaram o
espectacular trocadilho?). Ei-las.
A
dona Isabel começa por louvar os "estados sociais" europeus do
pós-Segunda Guerra, que nos anos 1970 ela combatia a título gracioso e de modo
explosivo. Infelizmente, depois vieram Thatcher, Reagan e as trevas, traduzidas
em fenómenos inéditos como o "desemprego", a "pobreza" e a
"ansiedade das pessoas". A própria União Europeia, imagine-se, aderiu
à moda e, em lugar dos seres humanos, desatou a servir as
"mercadorias" (açúcar mascavado, torradeiras e assim, presumo).
Daqui, cerca de 1980, a dona Isabel salta repentinamente para o "governo
austeritário", que nós supomos ser o do PSD--CDS e que ela tem a certeza
de que "tirou aos pobres e remediados" para dar a "um poder
mundial sem rosto". Isto em nome dos "juros da "dívida""
e para "diminuir o "défice"", conceitos que a dona Isabel
põe entre aspas, talvez por duvidar da respectiva existência, talvez para conter
a sua influência nefasta.
De
súbito, novo salto, agora para o governo actual, que segundo a senhora é amigo
dos funcionários públicos, dos "reformados e pensionistas" (evitem a
risota, por favor), da "Ciência" e do "Ensino Superior",
com maiúscula e tudo. Além disso, é danado para a banca, os automóveis, o
álcool e o tabaco, desgraças que se Deus e o dr. Costa quiserem hão-de estar
por um fio. Em matéria de políticas evangélicas, a dona Isabel só lamenta a
falta de "taxação sobre as bebidas açucaradas", visto que a
imbecilidade das massas não "vai lá com "educação"":
"vai-se com legislação". E o espancamento dos infratores, sugiro.
O
que importa, porém, é que o governo é generoso, e que a generosidade é tamanha
que lhe vale a "perseguição de Bruxelas" e a perseguição dos
mercados, os quais sobem os juros "só para assustar" (juro). Para
cúmulo, "alguma comunicação social portuguesa" abusa da liberdade de
expressão e "age como inimiga declarada do governo" em vez de responsavelmente
o bajular. Bandidos!
A
dona Isabel podia perfeitamente despedir-se nesta fase do texto, demonstrados
que ficaram os seus conhecimentos de História, Economia, Moral e Psiquiatria
(na óptica do utilizador). Não o faz, e ainda bem, dado ter acrescentado a
teoria que é um autêntico salto quântico do pensamento (na óptica do não
utilizador): "O neoliberalismo tem-se relacionado com o aumento da
obesidade." Prova? Há gente a engordar nos EUA e na Inglaterra. Conclusão?
"O neoliberalismo faz mal à saúde. Isto anda mesmo tudo ligado."
Enfim é explicada a fome nos regimes que a dona Isabel aprecia: trata-se meramente
de dieta, e das eficazes.
Inexplicável,
excepto pelo caldo de alucinação e apatia em que Portugal se encontra, é que se
confunda um razoável exercício humorístico com uma opinião habilitada.
Principalmente se é a própria dona Isabel a insinuar o toque cómico, quer ao
assinar o artigo enquanto "Médica, Professora [maiúscula dela] da Faculdade
de Medicina de Lisboa", quer ao encabeçá-lo com uma fotografia onde se
constata que a senhora é - faltam-me os eufemismos - gorda, quiçá vítima do
"neoliberalismo". Duas hipóteses: ou a dona Isabel e o Público estão
a brincar connosco ou o país está a brincar com a realidade. Aposto em ambas.
Sexta-feira,
26 de Fevereiro
E
se adoptássemos o BE?
Não
acho piada nem ao cartaz do BE ("Jesus também tinha 2 pais") nem ao
ligeiro escândalo que suscitou. Embora, a acreditar nas urnas, o BE não tenha
nenhum direito a mandar em nós conforme tem mandado, tem todo o direito de
ofender quem muito bem desejar. Além disso, o cartaz chama a atenção para uma
causa dramática: a profunda infantilidade daqueles meninos e meninas. Uma
sociedade solidária não se aborrece com a falhada irreverência do bando, mas
empenha-se em explicar-lhe o que é irreverência a sério. Com paciência, talvez
um dia o BE perceba a diferença e defenda os homossexuais através de injúrias
às religiões que os oprimem de facto. Quando fizerem graçolas com Maomé, as
crianças grandes do BE merecerão o nosso respeito. Até lá, só pena, compreensão
e mimo.
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