sábado, 5 de dezembro de 2015

Uma história à portuguesa - Vasco Pulido Valente


VASCO PULIDO VALENTE 05/12/2015 -in: jornal Público

Quando mais depressa se perceber a inutilidade do Ministério da Cultura, mais depressa ele acabará.

Não gosto muito de João Soares, nem como homem, nem como político. Mas, de qualquer maneira, reconheço que, já perto da reforma, ele merecia uma recompensa pela sua constante fidelidade ao PS e pelo recato em que viveu à sombra protectora do pai. Feito finalmente ministro da Cultura, um cargo insignificante e sem futuro, os jornais descobriram que ele era também um rival menor de Miguel Sousa Tavares e de José Rodrigues dos Santos. Enquanto andava por aí a perorar na televisão e em S. Bento, Soares aproveitava os tempos livres para escrever romances de que não sei nada, excepto que são assinados por pseudónimos, Hans Nurlufts e John Sowinds, duas cómicas traduções do seu próprio nome. Quem os leu, diz que tratam do submundo da intriga internacional e que, de quando em quando, para espevitar o leitor, têm algumas cenas que roçam o pornográfico.
O programa do Governo, num gesto de loucura, promete: a) descentralizar as decisões sobre o património cultural, o que é o melhor e o mais rápido caminho para o destruir; b) regular o “estatuto do artista”, com que ficarão armados os vigaristas do costume e uns milhares de novos vigaristas, que aparecem nas “revistas” de alguns jornais que se dedicam a atrair a juventude; c) criar um “cartão + cultura”, para o patronato atribuir aos trabalhadores e os trabalhadores poderem ir à ópera e lerem Proust com um confortável desconto; e finalmente d), estabelecer a gratuidade universal para o acesso aos museus (sejam eles quais foram) e aos monumentos nacionais. O patronato pagará esta caridosa campanha, a título de mecenato.
No meio disto tudo, o dr. João Soares declarou que o “seu objectivo”, muito pessoal, é “transformar a cultura num factor de desenvolvimento”, embora por enquanto não se desse ao trabalho de explicar a mecânica desse extraordinário e nunca visto milagre. Mas não se deve esperar dele o que ninguém até hoje conseguiu: uma visão clara do papel do Estado numa área que vai da gravação da música clássica portuguesa até à reabilitação do centro histórico de algumas dezenas de cidades, a começar por Lisboa. Apesar das generosas palavras do programa do Governo, João Soares não irá com certeza contar com muito dinheiro. O que fatalmente o reduzirá a distribuir subsídios para frivolidades sem sentido e a pagar um ou outro favor eleitoral. Uma penúria que, no fundo, não prejudica o país. Quando mais depressa se perceber a inutilidade do Ministério da Cultura, mais depressa ele acabará.



Sem comentários:

Enviar um comentário

Congresso Em Trás-os-Montes