André Azevedo Alves* – in: OBSERVADOR
19/12/2015
Subscrevo o desejo de que “meio milénio
depois da viagem de Pedro Álvares Cabral” o livro "Pare de acreditar no
Governo" possa "fazer a viagem em sentido inverso e chegar também a
Portugal”.
Em época natalícia e de balanço do ano
parece oportuno começar por destacar a obra best-seller (no Brasil) em que
Bruno Garschagen proporciona uma arejada leitura da história política
brasileira até aos nossos dias: Pare de acreditar no Governo: Por Que os
Brasileiros Não Confiam nos Políticos e Amam o Estado (Editora Record). Através
desta bem escrita e bem fundamentada panorâmica, Garschagen procura explicar a
paradoxal relação dos brasileiros com o Estado: não confiam nos políticos, mas
depositam uma fé inabalável no Estado.
Com este livro, Bruno Garschagen – que é
também académico e colaborador do Instituto Mises Brasil – afirma-se
definitivamente como um dos nomes maiores da nova geração de pensadores
brasileiros que prezam a liberdade e por isso desconfiam de todas as formas de
estatismo, grupo onde pontificam também, entre outros, Rodrigo Constantino e
Leandro Narloch. No prefácio ao livro de Garschagen, João Pereira Coutinho
assinala correctamente que o paradoxo identificado no livro encontra eco na
antiga Metrópole. Razão suficiente para subscrever o desejo formulado de que
“meio milénio depois da viagem de Pedro Álvares Cabral” o livro “possa fazer a
viagem em sentido inverso e chegar também a Portugal”.
Passando para recomendações nacionais, é
de assinalar o trabalho de Filipe Santos Costa e Liliana Valente sobre o
semanário Independente: O Independente: A máquina de triturar políticos
(Matéria-Prima) é um relato equilibrado e importante para a compreensão da
época e da realidade política e mediática nacional. O fenómeno Independente –
com todas as suas virtudes, excessos e limitações – é em si mesmo um tema
interessante, ainda que no contexto actual a impressão mais forte que fica do
livro é porventura relativa a Paulo Portas. Num trajecto que tem tanto de
ironia como de pathos, o actual líder do CDS tornou-se na exemplificação
acabada de praticamente todos os vícios da classe política do regime que
denunciou nos seus tempos de Independente. Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de
Sousa, entre muitas outras vítimas passadas de Portas, não deixarão certamente
de esboçar um sorriso face a esta inescapável constatação.
No plano da ciência política, 2015 fica
marcado pelo lançamento de Política Comparada (Cruz Editores) de Manuel Braga
da Cruz. Aguardado há muito, o novo livro passa a ser inequivocamente a obra de
referência em política comparada em Portugal. Pelo rigor e profundidade da
análise apresentada, será leitura obrigatória para alunos e investigadores na
área da ciência política e leitura recomendada para todos quantos desejem
compreender melhor os temas abordados.
Também no domínio da ciência política, mas
neste caso no âmbito dos clássicos do pensamento político, é de assinalar o
lançamento, com a chancela da Fundação Calouste Gulbenkian de Reflexões sobre a
Revolução em França, de Edmund Burke. Com tradução, introdução e notas por
Ivone Moreira, esta edição passa a ser ponto de partida obrigatório para
estudiosos de Burke em todo o mundo de língua portuguesa.
Num plano mais histórico e aplicado,
merece realce a publicação em Portugal de O último estalinista – Santiago
Carrillo (1915-2012) (Aletheia). Nesta obra, Paul Preston apresenta um retrato
realista e revelador da figura central do comunismo espanhol no século passado.
Sem cair na tentação de fazer um panegírico ou de racionalizações
desculpabilizadoras que tantas vezes mancham indelevelmente este tipo de
trabalhos (em especial quando estão em causa figuras marcantes do comunismo),
Preston produziu uma investigação séria e equilibrada. Desde o controverso
envolvimento nas atrocidades praticadas na Guerra Civil até à decadência e
fracasso eleitoral das suas últimas iniciativas políticas, sem esquecer o seu
papel central no “eurocomunismo”, vale a pena aprender e reflectir sobre o
percurso do histórico líder comunista espanhol.
Para terminar, uma recomendação literária
de ficção mas com enfoque em problemas contemporâneos bem reais. Em Submissão
(Alfaguara), Michel Houellebecq apresenta um retrato simultaneamente irónico e
incisivo da decadência intelectual auto-infligida da sociedade francesa (e
ocidental). Com esta obra Houellebecq reforça o estatuto de alvo preferencial
das brigadas do pensamento politicamente correcto e dos promotores da cultura
do repúdio pela civilização ocidental mas esse, infelizmente, parece ser cada
vez mais o preço a pagar nos dias de hoje por recusar ser submisso.
Votos de um Santo Natal para todos os
leitores.
* Professor do Instituto de Estudos
Políticos da Universidade Católica Portuguesa
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