Parece
que está a voltar entre nós a moda terceiro-mundista de homenagear Álvaro
Cunhal.
O livro do ano é, em meu entender sem
sombra de dúvida, Reflexões sobre a
Revolução em França, de Edmund Burke. Trata-se de um clássico do pensamento
político, originalmente publicado em 1790. Entre os povos de língua inglesa, Burke
é venerado, por todas as famílias políticas civilizadas, como um dos maiores
pensadores políticos. Entre nós, só agora vê a luz do dia, em cuidadosa
tradução anotada e prefaciada por Ivone Moreira (Fundação Calouste Gulbenkian,
2015).
Por que motivo esta obra clássica de
crítica à revolução francesa de 1789 nunca tinha sido publicada entre nós? Quem
quiser começar a descobrir as razões deve ler aquele que, em meu entender, é o
segundo título do ano: Os Caminhos para
a Modernidade: Os Iluminismos Britânico, Francês e Americano (Edições 70,
2015), de Gertrude Himmelfarb — a distinta historiadora norte-americana que
também confessa a sua admiração por Edmund Burke (além de Adam Smith e, em
geral, pelos iluministas não dogmáticos).
Outro anglófilo que este ano foi publicado
pela Fundação Gulbenkian é Joaquim Nabuco, que liderou o movimento pela
abolição da escravatura no Brasil. Sob o título Minha Formação, a obra é prefaciada por João Pereira Coutinho — um
outro “Burkeano” português que é cronista célebre no diário Folha de S. Paulo
e, cá por casa, no Correio da Manhã. A D. Quixote acaba de publicar uma
excelente colectânea das suas crónicas no Brasil sob o título Vamos ao que interessa. No ano passado,
a mesma editora publicara outro livro do mesmo autor que também recomendei
aqui: Conservadorismo.
João Pereira Coutinho é ainda prefaciador
de outro “Burkeano” brasileiro que está a fazer furor no Brasil: Bruno
Garschagen, autor de Pare de Acreditar
no Governo: Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado
(Record, 2015). O livro foi apresentado entre nós no Estoril Political Forum,
em Junho passado, e a sua leitura recomenda-se lá como cá: é um excelente guia
histórico para compreender o atavismo estatista que ainda nos persegue.
Política
Comparada,
de Manuel Braga da Cruz, passou a ser o compêndio de referência nesta área da
Ciência Política (Cruz Editores, 2015). Reúne as lições do autor, que foi
reitor da Universidade Católica e continua a ser professor de várias gerações
de estudiosos do fenómeno político. É um livro incontornável que pode servir de
guia à leitura de outra obra marcante este ano publicada entre nós: Autoritarismo e Democracia, de Juan
Linz, com prefácio de António Costa Pinto (Livros Horizonte).
Entre os inúmeros alunos de Juan Linz
encontra-se Larry Diamond, actual professor em Stanford e co-director do
Journal of Democracy. Acaba de publicar In
Search of Democracy (Routledge), uma impressionante recolha de ensaios,
elaborados pelo autor nas últimas três décadas, sobre os processos de
transição, consolidação e declínio das democracias.
A
Defesa de Lisboa, 1809-1814: Linhas de Torres Vedras, Lisboa, Oeiras e Sul do
Tejo
(Tribuna da História) é mais uma obra histórica de referência produzida sob a
distinta chancela do editor Pedro de Avillez. Da autoria de Francisco de Sousa
Lobo, com prefácio de Jaime Gama e patrocínio do Estado-Maior do Exército,
trata-se de uma notável homenagem à multissecular aliança luso-britânica que
derrotou as invasões napoleónicas.
Sobre o ofício do historiador, escreve
José Miguel Sardica Verdade e Erro em
História (Universidade Católica Editora). Trata-se de um belo ensaio em
defesa da clássica visão da história, em oposição ao positivismo da
história-ciência e ao relativismo radical pós-moderno. Em Diário da Abuxarda, Marcello Duarte Mathias prossegue as suas
observações penetrantes sobre o andamento do país, da Europa e do mundo entre
2007 e 2014 (D. Quixote).
Cândida Ventura, a corajosa dissidente
comunista, morreu na semana passada, com 97 anos. José Manuel Fernandes e Zita
Seabra, no Observador, e Henrique Monteiro, no Expresso, escreveram tocantes
obituários sobre a grande senhora que se atreveu a desafiar Álvaro Cunhal. Em
1984, publicou O Socialismo que eu vivi,
uma denúncia do comunismo realmente existente. Perante o silêncio dominante,
teve na altura o apoio de Mário Soares, Cavaco Silva, Durão Barroso e do
irreverente Clube da Esquerda Liberal.
Entretanto, parece que está a voltar entre
nós a moda terceiro-mundista de homenagear Álvaro Cunhal. Muito a propósito,
acaba de ser publicada a aclamada biografia de Santiago Carrilho por Paul
Preston, O último estalinista
(Aletheia). Ocorre perguntar: terá mesmo sido o último?
Votos de boas leituras e de Bom Natal.
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