M. Fátima Bonifácio
(Historiadora)
in: Jornal Público
16/09/2015 - 04:43
Costa
pensa com a cabeça keynesiana do século XX, quando havia fronteiras, alfândegas
e moeda nacional. Passos pensa na globalização do século XXI, que rege um mundo
sem distâncias e que já não dorme.
A minha decisão está
tomada desde a “demissão irrevogável” de Paulo Portas (Julho de 2013). Passos
Coelho confirmou-se como um primeiro-ministro à altura de situações de
emergência, depois de durante dois anos já se ter mostrado à altura de
situações de desespero.
Herdou do anterior
governo socialista uma situação desesperada. Estava-se a um pequeno passo da
bancarrota. Na altura, toda a gente sensata e responsável viu no apelo à Troika
o único meio de evitar que o Estado, sem acesso aos mercados, cessasse
pagamentos a funcionários, pensionistas, fornecedores e credores.
O PSD e o CDS, e também o
PS, acharam que esse apelo era indispensável e urgente. Sócrates, o “animal
feroz” atacado de lunatismo terminal, opunha-se – sem vislumbre de solução.
Muita gente, incluindo o seu ministro das Finanças, instou com ele. Mário Soares
disse depois ao Público: “Eu queria que ele pedisse o apoio e ele não queria.
Discutimos brutalmente.”
No debate televisivo do
dia 9, António Costa teve o supremo despudor de afirmar que fora Passos quem
chamara a Troika. A mentira, descarnada, é imprópria de um candidato a
primeiro-ministro; e autoriza que o achemos capaz de tudo. Frente a frente
estavam dois homens de carácter muito diferente.
Ouço e leio que no debate
se falou demasiado do passado. Qual é o espanto? É também o passado que nestas
eleições vai a julgamento; é o descalabro de José Sócrates e seus acólitos que
vão a juízo; são as responsabilidades do Partido Socialista que estão em causa.
Não há como fugir a isto.
Porque foram os danos que
“isto” infligiu ao País que determinaram a “austeridade” que Passos se viu
obrigado a administrar. Pagou em impopularidade pelos erros dos outros.
Tornou-se o culpado de tudo, incluindo a meteorologia. O PS, tão sensível ao
sofrimento do povo, cobrava ânimo a cada medida dolorosa, a cada notícia tormentosa:
quanto pior, melhor – aqui residia a sua possibilidade de redenção.
Não só aqui: também na
arte de incutir no público a ideia caricata de que Passos sofria de sanha
punitiva e fanatismo neo-liberal; sadismo e cegueira ideológica, portanto. Esta
propaganda mendaz foi fazendo o seu caminho. Muita gente se convenceu de que a “austeridade”
era afinal desnecessária e contraprodutiva, pois abismaria Portugal numa
infindável e suicida “espiral recessiva”.
Também o zelo em obedecer
à diabólica Sra. Merkel e o gosto de vergar a cerviz perante a “Europa” eram
desnecessários e um sinal vergonhoso de cobardia: Passos não ousava elevar
Portugal à altura da sua relevância no concerto europeu. Surgiu o Syriza para
dar a Merkel uma lição de humildade, e a Passos uma lição de patriotismo,
coragem e dignidade. O “conto de crianças” acabou abjectamente, como qualquer
pessoa sensata logo podia prever.
António Costa prescindiu
da sensatez e preferiu apaziguar a sua cauda de radicais dentro do PS e olear
as suas relações com a extrema-esquerda, que sonhava vir a amestrar e a usar.
Festejou com entusiasmo a vitória do Syriza e saudou os ventos de mudança e
bonança que os valentes gregos soprariam na Europa. Com o colapso do colosso
grego, mudou de discurso e de rumo. É um líder que navega ao sabor das marés.
Há muito que ninguém se atreve a falar em
“espiral recessiva”. Há muito que a Troika partiu; Portugal fez uma saída
limpa. Quem disse que era fácil e faria melhor, que se apresente. Todos os
indicadores importantes melhoraram; o desemprego caiu de 17,1% para níveis
inferiores aos da pré-crise, 11,9%. O PS – do PC não vale a pena falar –
desvaloriza, porque os números o deixam destrunfado. Nada me parece mais
natural e necessário do que lembra e reivindicar o mérito pela limpeza do
ajustamento financeiro.
Temos diante de nós dois
homens, duas personalidades, dois estilos, dois caracteres – e dois caminhos a
seguir. Em essência, apenas interessam duas coisas: os modelos que corporizam,
a cepa dos respectivos fiadores.
Costa, como revelou a
infelicíssima aclamação do Syriza, aliada a um chuveiro de promessas e medidas
aberto dia sim, dia não, não me parece um homem confiável. Tanto mais que
hesita sobre as alianças a escolher, e não conseguiu cerzir as facções que se
guerreiam no PS.
Costa elege o consumo e o
investimento público como alavancas do crescimento; exalta a “economia do
conhecimento”. Mas o mercado interno é exíguo, o investimento público limitado
pela escassez de meios do Estado, e a anacrónica estrutura empresarial do País,
aconchegada na rotina, não comporta a modernização tecnológica em larga escala.
O modelo não passa do prolongamento, com menos “faraonismo”, do que nos trouxe
até aqui. Desde 1996 que Portugal cresce pouco ou nada.
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