Balada
da Pomba pró Menino *
Porquê
meu menino tu nasceste,
Filho de
um pai mais pobre que o meu?
Porque
choravas tu, e tanto sofreste,
Se tudo
que não tinhas era teu?!...
Quando
de manhã tu acordavas,
Numa
pequena cama, húmida e fria,
Pela mãe
chamavas, mas ninguém ouvia!...
Só o sol
entrava, e te aquecia
Pelo
janelo velho, que ao lado dormia.
No teu
rosto ainda, a marca dum beijo
Que a
mãe te deu, quando saiu.
Sabes
meu irmão? Essa mãe tão nobre
Que
neste mundo pobre, nunca ninguém viu!
Mas
quando fores grande, já souberes falar,
Se acaso
for livre recordar,
Canta
esta canção meu irmão
Que as
pombas cantavam, para te embalar!...
Menino
óó!... - Ó menino! Menino óó!... - Ó menino!
Menino
não vais a escola! Menino tens que ir a esmola!
Menino
carregas a fome, de sacola!
Menino
só quer sorrir!... Menino só quer sonhar!...
A fome
não vai deixar, dormir.
Menino
gelado de frio, e de fome chorando,
Espraias
os teus olhos lindos,
No teu
barquinho à vela sem mar ondulando…
Menino
óó!... - Ó menino! Menino óó!… - Ó menino!...
-
Tchiu!... O menino já dorme!…
*Abílio
Bastos, Abadim – Cabeceiras de Basto, 1963.
Jorge Lage |
Nota 2:
O Tonho, ou o «Puta-Fome», do poema, vive hoje na zona de Ermesinde, debilitado
da saúde. Mas, naquele tempo, o Tonho descalço e mal-vestido, em pleno rigor do
Inverno, a fome e o frio eram os seus maiores inimigos, por isso, não respeitava
a lei da mendicidade, que instituía a quinta-feira, para se pedir esmolas e
fazia-o quando tinha fome. O Abílio ou «Zé do Vale» (pseudónimo), ficava
comovido e o poema, quando o mestre não estava por perto, surgia nas «taubas»
que ia serrando e aparelhando na marcenaria. Depois, as tábuas seguiam o seu
destino e o poema ficava-lhe na memória o mais rapidamente possível para não se
perder e recitava-o nas cordas da guitarra que gemiam o sonho de um mundo
melhor para os que a pobreza ferretava. O Tonho vive agora em Ermesinde, com a
saúde débil, a quem poderá chegar, ainda, o poema acima e recordar a cinza e as
brasas da lareira e a malga de caldo da generosa Mãe do Zé do Vale (Jorge
Lage).
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