terça-feira, 1 de setembro de 2015

Balada da Pomba pró Menino *



Balada da Pomba pró Menino *

Porquê meu menino tu nasceste,
Filho de um pai mais pobre que o meu?
Porque choravas tu, e tanto sofreste,
Se tudo que não tinhas era teu?!...

Quando de manhã tu acordavas,
Numa pequena cama, húmida e fria,
Pela mãe chamavas, mas ninguém ouvia!...
Só o sol entrava, e te aquecia
Pelo janelo velho, que ao lado dormia.

No teu rosto ainda, a marca dum beijo
Que a mãe te deu, quando saiu.
Sabes meu irmão? Essa mãe tão nobre
Que neste mundo pobre, nunca ninguém viu!

Mas quando fores grande, já souberes falar,
Se acaso for livre recordar,
Canta esta canção meu irmão
Que as pombas cantavam, para te embalar!... 

Menino óó!... - Ó menino! Menino óó!... - Ó menino!
Menino não vais a escola! Menino tens que ir a esmola!
Menino carregas a fome, de sacola!
Menino só quer sorrir!... Menino só quer sonhar!...
A fome não vai deixar, dormir.

Menino gelado de frio, e de fome chorando,
Espraias os teus olhos lindos,
No teu barquinho à vela sem mar ondulando…
Menino óó!... - Ó menino! Menino óó!… - Ó menino!...

- Tchiu!... O menino já dorme!…
   
*Abílio Bastos, Abadim – Cabeceiras de Basto, 1963.

Jorge Lage
Nota 1: O «Puta-Fome», assim chamava o poeta ao menino. Quando o Abílio chegava a casa, o caldo, pousado pelas mãos calejadas da mãe, já esperava na mesa movediça do escano, na cozinha térrea. O lume ardia e o cachorro enroscado logo ali, nem dava sinal. Sentado,  via entrar um menino  descalço, com a sacola  pendurada ao pescoço, seguir na direcção da lareira, e meter os pés na cinza. E nada dizia. O jovem Abílio via-o tão lindo, com uns olhos vivos «qual pardalito», de ossos húmidos e cabelo molhado da chuva e pergunta-lhe: - como vai a vida Tonho? A resposta era imediata e dorida: - Puta fome! Naquele dia, comeram o caldo juntos. O Abílio saiu para a oficina onde aprendia a marceneiro. Á medida que ia serrando a madeira ruminava com os seus botões e perguntava: - Porquê?... (Abílio Bastos)

Nota 2: O Tonho, ou o «Puta-Fome», do poema, vive hoje na zona de Ermesinde, debilitado da saúde. Mas, naquele tempo, o Tonho descalço e mal-vestido, em pleno rigor do Inverno, a fome e o frio eram os seus maiores inimigos, por isso, não respeitava a lei da mendicidade, que instituía a quinta-feira, para se pedir esmolas e fazia-o quando tinha fome. O Abílio ou «Zé do Vale» (pseudónimo), ficava comovido e o poema, quando o mestre não estava por perto, surgia nas «taubas» que ia serrando e aparelhando na marcenaria. Depois, as tábuas seguiam o seu destino e o poema ficava-lhe na memória o mais rapidamente possível para não se perder e recitava-o nas cordas da guitarra que gemiam o sonho de um mundo melhor para os que a pobreza ferretava. O Tonho vive agora em Ermesinde, com a saúde débil, a quem poderá chegar, ainda, o poema acima e recordar a cinza e as brasas da lareira e a malga de caldo da generosa Mãe do Zé do Vale (Jorge Lage).

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