Barroso da Fonte |
Quem está atento ao crepitar de ações que são do foro
da cultura, conclui que não é por acaso que funciona em Vila Real o Grémio
Literário; em Bragança a Academia de Letras; em Chaves, o Grupo Cultural Aquae
Flaviae e o Fórum Galaico Transmontano; em S. Martinho de Anta, o Espaço Miguel
Torga. Estes alguns exemplos vivos, para já nem se falar na oficialização da
Língua Mirandesa, da UTAD; do Politécnico de Bragança e das Escolas de Ensino
Superior: Jean Piaget de Mirandela e de Macedo de Cavaleiros. Fruto desse
incremento cultural são as obras literárias e científicas que se vêm editando um
pouco por toda a região Transmontana. Desde há anos, publica-se o NetBila,
a partir de Vila Real que, diariamente, privilegia notícias da área dos
autores, dos livros e das artes, em geral. Depois chegaram: o Tempo
Caminhado, (bem ilustrado) aquimetem, farrapos de memória, diário
atual, etc.
Aplaudem-se os jornais sobreviventes e os relevantes
serviços que vêm prestando. E, do mesmo modo, se felicitam os responsáveis
pelos muitos e ativos blogs que abrem esses privilegiados espaços para noticiar
as muitas obras que vão aparecendo e que confirmam a boa forma dos criativos
Transmontanos.
Esta dinâmica individual e coletiva contrasta com a
incapacidade política que menospreza os criativos periféricos em benefício dos
urbanos, de onde emergem os laureados de todos os prémios, medalhas e
medalhões. Um exemplo recente deste imutável miserabilismo, leu-se no JN de 8
do corrente, pela mão do insuspeito doutor Alexandre Parafita, escritor de
referência nacional. Ei-lo:
«Confrontada com a exclusão, reincidente,
no apoio à sua atividade por parte da Secretaria de Estado da Cultura, a
companhia transmontana de teatro Filandorra anunciou que vai chamar à
"barra" dos tribunais aqueles que assumem, institucionalmente, tal
decisão. A ideia é que justifiquem, sob tutela judicial, aquilo a que chama de
"crime cultural", resultado de um concurso anacrónico, que mais
parece um jogo de sorte ou azar, uma espécie de "raspadinha", em que
os critérios são decididos unilateralmente, desvirtuando todo um trabalho
resistente no interior do país. E, havendo crime, a reincidência torna-o mais
grave. Há um ano, celebrando o Dia Mundial do Teatro, os atores da companhia,
revoltados com idêntica exclusão dos apoios governamentais, e receando terem de
fechar portas, saíram para a rua a vender bilhetes, a um euro para os seus
espetáculos. Um gesto simbólico, denunciador dos olhares de indiferença com que
o Estado olha para o interior cultural, que colheu grande solidariedade
pública. Agora resolvem ir para tribunal. Certamente, no momento do arremesso
de subterfúgios legais pelos putativos réus, há de perceber-se que um processo
desta natureza está talhado para dar em nada. Contudo, alguma coisa de
substancial já se fica a saber e aí o juízo público é infalível: 29 anos a
formar públicos para o teatro no interior do país valem zero, ou quase zero,
para a Secretaria de Estado da Cultura; levar o teatro a todos os públicos, em
escolas, jardins de infância, universidades, lares de idosos, terreiros das
aldeias, igrejas e mosteiros, cine-teatros... pouco mais que isso. E o que
valem os reencontros dos escritores com os públicos, chamando as crianças e os
jovens para o mundo mágico dos livros? E pôr as populações dos meios rurais a
interagir com obras e autores emblemáticos como Raul Brandão, Tcheckov, Lorca,
Molière, Torga, Garrett, Gil Vicente, Goldoni, Brecht, José Luís Peixoto,
Saramago, Shakespeare... o que vale, afinal? Que o teatro vive de ficções, bem
se sabe. Mas é perverso que tenha de sobreviver no seio de uma realidade cruel,
a da indiferença de quem governa a cultura, onde, no lusco-fusco dos palcos
vazios, agoniza uma mentalidade neoliberal dominada pela fealdade do seu
próprio absurdo».
Quarenta anos depois do propalado obscurantismo da «província»
só mudaram as moscas. Em carta de Torga a Nemésio, após o II congresso
Transmontano, em 1941, em Vidago, o
autor dos Bichos escreveu: aqui «onde a desgraça foi tanta que estive à
beira de beijar a mão a não sei que viscondessa»...
Os sítios são os mesmos, as viscondessas
já não se satisfazem com o beija-mão e a política tresanda... António Costa, afirmou na TVI, em 9 do corrente que mais importante que a
auto-estrada de Vila Real ao Porto, é a estrada de Vila Real à Fronteira.
Bonita imagem pré eleitoral que todos os políticos balbuciam mas nenhum
degusta. Oxalá me engane!
Barroso
da Fonte
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