Figura 2 - Imagem do Arcanjo Miguel inserida em cartela no arco cruzeiro |
Figura 1 |
São
Miguel de Lobrigos é a sede do concelho duriense, Santa Marta de Penaguião. A
sua igreja actual (Figura 1) provém do primeiro quartel de Setecentos.
A ostentação do cronograma de 1720 sobre a porta principal,
por si só, poderia indicar o ano da conclusão das obras de alvenaria e
cantaria. Assim parece, pois no livro da confraria do Santíssimo Sacramento
encontram-se referências ao seu processo de construção. Ou, pelo menos, o início
de uma campanha ou empreitada.
A finta para as obras da igreja foi lavrada a 28 de Outubro
de 1719[1].
O documento não nos transmite a informação sobre quem teria executado o risco,
nem mesmo sobre os mestres de cantaria, alvenaria, ou da pintura[2].
Fornece-nos informação sobre os mestres ferreiros que concluíram as obras de
ferraria e alguns outros concertos, após ser levantado o corpo da igreja[3].
Todavia, não foi o processo de construção do templo, nem os
artistas que nele participaram que nos interessaram para o ensaio de 22 páginas
agora publicado na revista Tellus.
Este surge a propósito da análise iconográfica[4]
e iconológica dos pequenos painéis que cobrem o forro do tecto da sua
capela-mor, cujo tema principal trata do périplo de Tobias na companhia de
Rafael à terra Média. Um tema escasso na arte portuguesa (daí a importância de
o trazer a estudo), como já foi assinalado por Vitor Serrão, na medida em que o
simbolismo e a complexidade do Livro de Tobias, não se adequam às directivas de
Trento, saídas da última sessão do Concilio (Dezembro de 1563).
Por
essa razão só em condições excepcionais o ciclo de Tobias foi representado pela
arte do Renascimento[5],
em determinados círculos culturais.
Ao contrário
das iconografias escassas na arte portuguesa, o programa iconográfico de Lobrigos
pretende ressaltar os cinco painéis centrais sobre a vida de Cristo e os
painéis dos anjos do Apocalipse que, à primeira vista, parecem ser
distribuídos arbitrariamente, juntamente com alguns relacionados com o Arcanjo
São Miguel e a Anunciação.
É de
salientar que a execução pictórica de Lobrigos é da lavra de “artista” popular,
revelando debilidades gritantes técnicas em termos formais e estéticos. Contudo,
a obra no seu conjunto, adicionando-lhe a talha dourada, impressiona
cenograficamente. Aliás, o cariz popular é ainda denunciado na representação de
episódios omissos nos textos evangélicos, acrescentados pela piedade popular.
Assim
sendo, este programa iconográfico fundamentou-se em certas fontes populares e
nos textos evangélicos – o Apocalipse
e o Livro de Tobias, o qual, em boa verdade, recupera o sentido
“migratório dos símbolos” proposto pelo iconólogo Aby Warburg, ou seja, reminiscências
da cultura pré-cristã.
Nesta
iconografia periférica seguiu-se à letra o texto bíblico, e algumas fontes de
origem popular, olvidando por completo as tendências culturais que à época eram
propagadas nos grandes centros.
Figura 3 (Clique para aumentar) |
O
tecto da capela-mor – o programa iconográfico
O
tecto da capela-mor, composto por 25 pequenos caixotões, é dividido em dois por
uma mediana de cinco caixotões (A,B,C,D,E). Essa mediana é constituída por
episódios da vida de Jesus Cristo ou com Ele relacionados:
A – Decapitação
de São João Baptista
B – Visitação
C – Baptismo
de Cristo
D – Agnus
Dei
E – Nascimento
da Virgem
Tanto
à esquerda, como à direita, estão distribuídos 20 caixotões (dez de cada lado)
com cenas do Ciclo de Tobias e do Apocalipse. E ainda algumas
cenas relacionadas com a Virgem Maria e outras com o Arcanjo São Miguel,
incluindo algumas lendas transmitidas pela tradição.
A
análise da temática iconográfica foi orientada desta forma:
I – Imagem do Arcanjo Miguel inserida em cartela no arco
cruzeiro (Figura 2)
II
– Análise dos caixotões que compõem a
mediana (A,B,C,D,E) – Figura 3
III
– Análise dos caixotões à esquerda da
mediana:
a) A
Anunciação (8)
b) Caixotões
que relatam episódios lendários transmitidos pela tradição (2 e 6)
c) Os
restantes caixotões que descrevem cenas do Apocalipse (4,5,7,9,10)
IV- Análise dos caixotões à direita da mediana:
a) Caixotões
que descrevem cenas do Apocalipse (13, 14, 15, 17, 19)
V – Ciclo de Tobias (Figura 5)
a) Análise
dos caixotões que descrevem o Ciclo de Tobias, à esquerda da mediana (1 e 3)
b)
Análise dos caixotões que descrevem o Ciclo de Tobias, à direita da mediana
(11,12,16, 18, 20)
Segue-se
a relação entre os painéis (VI) e a análise iconológica (VII).
Armando Palavras
[1] Estes
elementos foram tratados nesta revista (Tellus), nº 59, pp.26-28.
[2] Nesta época, no concelho de
Penaguião, temos apenas dados de dois pintores: O que executou a pintura da
igreja de Sedielos em 1755, aliás a pintura de maior qualidade – o lamecense Bartolomeu de Mesquita Cardozo -, em
parceria com o entalhador Domingos Martins Pereira, e o pintor do tecto da nave
da igreja de São João de Lobrigos, Manuel Furtado, cuja assinatura se encontra
firmada no caixotão central, número 23. A tal propósito, cf. Revista Tellus,
nº 59, pp. 29-30.
[3] Voltamos
a ter notícias elementares do templo em 1769 pela Relação de Sobre Tâmega.
[4] Que se submeteu, por questões de
espaço, apenas à temática, às fontes iconográficas e a uma descrição elementar.
Para este escrito, elaborou-se uma síntese de um ensaio mais profundo, que pela
sua extensão ultrapassa, em muito, os parâmetros de um artigo de revista.
[5] É o caso, por exemplo, da pintura
de um seguidor de Andrea Verrochio, hoje na National Gallery, que Ernst
Gombrich, na linha de Aby Warburg, considera como um exemplo para a exploração
do tema bíblico em termos simbólicos. O autor, em relação a São Rafael, alude
metaforicamente ao seu significado de Anjo da Guarda, como a iconografia
pós Trento o irá representar.
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