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João Carlos Espada
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O
mais efectivo instrumento de combate à pobreza, como repetiu Winston Churchill,
é a liberdade.
A visita de Thomas Piketty a
Lisboa, na passada segunda-feira, produziu um curioso impacto político. Não é
todos os dias que um académico, convidado por uma instituição cultural
independente, aceita avistar-se com um candidato a primeiro-ministro e com um
candidato a presidente da república, ambos da mesma área política. Como
observaram vários analistas, não é seguro que esta politização tenha valorizado
o argumento intelectual de Piketty.
Outro elemento curioso desta
visita foi a aceitação quase unânime entre nós do alegado problema colocado por
Piketty: o problema da desigualdade de resultados nas economias ditas
capitalistas.
Toda a gente parece
concordar com a asserção de que existe à partida um problema na desigualdade de
resultados (a qual deve ser distinguida da pobreza e da exclusão social). Por
essa razão de partida, o problema seria ainda maior se a desigualdade de resultados
estivesse a aumentar (o que, aliás, não está comprovado).
Peço autorização para
duvidar (e espero que, dado que ainda não entrámos em campanha eleitoral, a
autorização me seja concedida, sem visto prévio de uma comissão central): não
me parece evidente que a desigualdade de resultados seja em si mesma um
problema — a menos que a liberdade seja percepcionada em si mesma como um
problema.
Com efeito, se partirmos de
uma presunção favorável à liberdade, seguir-se-á que todos os indivíduos devem
ser igualmente livres perante a lei — isto é, em princípio livres, desde que
não violem a lei. Indivíduos igualmente livres vão poder agir diferentemente.
Das suas diferentes acções resultarão diferentes resultados. Logo, da igual
liberdade perante a lei resulta a desigualdade de resultados.
Pelo contrário, se partirmos
de uma presunção favorável à igualdade de resultados, seguir-se-á que os
indivíduos não podem, em princípio, ser igualmente livres perante a lei. Eles
só poderão ser livres de escolher acções que uma autoridade central previamente
possa autorizar — com base na previsão de que essas acções não vão produzir
resultados desiguais. E, caso alguma acção previamente autorizada tenha
produzido uma desigualdade, o resultado dessa acção autorizada deve ser anulada
para restaurar a igualdade (talvez através de um severo imposto ou, quem sabe,
de uma “nacionalização”).
Estas duas perspectivas
estão subjacentes ao choque fundamental entre as sociedades livres, também
chamadas capitalistas, e as sociedades comandadas (comunistas, ou fascistas,
ou, em grau menor, de “condicionamento industrial” do Doutor Salazar ou do
despotismo esclarecido do Marquês de Pombal). Nas sociedades livres, tudo é
permitido, a menos que seja explicitamente proibido pela lei geral. Nas sociedades
comandadas, tudo é proibido, a menos que seja expressamente permitido por uma
prévia autorização particular.
Muitos autores observaram
este choque entre “a sociedade aberta e os seus inimigos”, desde a Grécia
antiga até aos nossos dias. Mas foi talvez David Hume quem melhor captou os
resultados da preferência pela igualdade em detrimento da liberdade: a pobreza
e o despotismo. Disse ele, em 1777:
“Por mais igual que se torne
a distribuição da riqueza, os diferentes graus de arte, interesse e indústria
dos homens destruirão imediatamente essa igualdade. Ou, se controlarmos essas
virtudes, reduziremos a sociedade à mais extrema indigência; e, em vez de
evitarmos a necessidade e a penúria em alguns indivíduos, torná-las-emos
inevitáveis para toda a comunidade. Será necessária também a mais rigorosa
inquirição para detectar todas as desigualdades assim que elas surjam, bem como
a mais severa jurisdição para as punir e corrigir.”
Por outras palavras, os
povos que preferem a igualdade à liberdade vão produzir mais pobreza. Perante a
pobreza, vão exigir ainda mais igualdade. E obterão mais pobreza. Quando
descobrirem que outros povos estão a produzir riqueza, exigirão que a igualdade
seja estendida a esses povos (talvez através de um “imposto global”). Obviamente,
se isso fosse aceite pelos outros, todos ficariam mais pobres — mas seguramente
também mais iguais, na pobreza.
Em tudo isto, como repetiu
Winston Churchill, apenas fica esquecido que o mais efectivo instrumento de
geração de riqueza e de combate à pobreza é a liberdade.
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