POISO
É tão curta a medida,
Para tão largo desejo,
De onde poiso nem vejo
Se algum dia foi vida.
Do silêncio que amanho
E carrego em surdina,
Há um som que caminha
E eu não sei o tamanho.
Do além sei que venho
Me transporta no vapor,
Há um fio sem cor
Que me prende ao passado.
E dum velho arado
Há um ferro que parte
E dum - ou!... - para o gado
Há um ai para amar-te.
Poema inédito de Abílio Bastos, de 1957/58
Nota: Abílio era um rapaz
de 12 ou 13 anos que trabalhava na plantação de árvores na floresta, próximo de
Abadim, Cabeceiras de Basto. Nesse tempo sonhava encostado a uma parede pobre e
num campo rapado imaginava um restolho, depois de segado o pão. O restolho era
sinal de que o grão tinha ido para a tulha e não iria haver fome, em tempo de
míngua ou «do castanho ao cerejo», como diz o povo, em que a fome dos mais
pobres era negra (nota de Jorge Lage).
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