Barroso da Fonte |
As sucessivas prisões
que se têm verificado nos últimos tempos vieram alertar a opinião pública para
uma chusma de pormenores que escapam à observação da raia miúda, mas que
ressaltam para a frente dos olhos, quando alguns desses pormenores, esbarram
contra figuras da alta sociedade política, económica ou social. Quem está atento
ao que se passa em Portugal conhece as diferenças de tratamento para com João
Vale Azevedo, com Oliveira e Costa, com Duarte Lima, com Armando Vara, com Dias
Loureiro e, mais recentemente, com José Sócrates. O problema das visitas de
luxo entraram no desfile do jet-set diário: guarda reforçada à entrada da
Cadeia de Évora, com roulotes por perto, umas com camas para profissionais da
imagem e do som, outras com víveres e
outros bens essenciais aos romeiros de todas as devoções ideológicas.
Eis senão quando, no
último Sábado do ano, surge um imbróglio que as estridentes gazetas, televisões
e rádios, repetiram em todos os noticiários do dia. A devolução de um livro
mandado a José Sócrates. O país soube então que o Dr António Arnaut tinha
enviado um exemplar do livro «Cavalos de Vento», para leitura do seu amigo. Um
livro inofensivo, como milhares de tantos outros que são colocados no correio e
que às vezes são devolvidos, por insuficiência de franquia, por não declararem
o conteúdo, por endereço incompleto,
etc.
A Lusa teve o
cuidado de divulgar nessa tarde, uma explicação: «na primeira semana
de prisão, o ex-primeiro ministro recebeu entre 40 e 50 encomendas que foram
todas para trás, sendo a situação explicada ao recluso. Trata-se do cumprimento
de requisitos legais que estabelecem que o recluso identifique, logo de início,
quem são as pessoas que autoriza a visitá-lo. Essa listagem é fornecida pelo
detido ao responsável da Cadeia. Cada eventual visitante ficará com um cartão
para a visita ou entrega de qualquer encomenda». Certamente o ex-dirigente
do PS, não conhecia essas regras obrigatórias para todas as cadeias e exigidas
a todos os detidos. Entrevistado pela TSF, António Arnaut explodiu, como Mário
Soares e António Campos,Já haviam reagido, contra a prisão de Sócrates: «o
ignorante que fez uma lei arbitrária, contra-natura e miserável deveria ser
denunciado». A jornalista da TSF, com plena oportunidade e com toda a
serenidade, tentou acalmá-lo: - Senhor Doutor: sabe quem promulgou essa lei a que
chama «contra-natura e arbitrária» - Foi José Sócrates em 11 de Abril de 2011,
quando era primeiro-ministro, respondeu-lhe a jornalista. - Ai foi!... Vítor
Ilharco, representante dos reclusos e Jorge Alves, presidente do Sindicato
Nacional do Corpo da Guarda Prisional, foram, igualmente, entrevistados por
essa estação de rádio e todos foram unânimes em que a Lei era absurda,
desajustada e irritante. Mas só foi irritante, desajustada e absurda porque
dela foi vítima um preso «pesado». E é aqui que se demonstra que a justiça não
é igual para com todos os cidadãos, por mais queixumes, pragas e impropérios
que os empertigados profiram. As duas cartas que o JN de 29/12 publicou e
comentou, de Sócrates para Soares e
deste para aquele e a argumentação patética que um terceiro angustiado vomitou,
perante as televisões dessa noite, são a prova provada de que eles deitam os
foguetes, apanham as canas e, nem assim, têm vergonha de virem acusar Carlos Alexandre e a Procuradora Geral
da República. Para seus guarda costas bastaram Noronha Nascimento e Pinto
Monteiro, o tal que aceitou um almoço para falar de livros...
ABC (2009). Cela da Prigione Nuova. Palazzo Ducale, Venezia. In "Portugal Profundo" |
O teste fizera-se um mês antes. Na semana em que foram
presos, nas mesmíssimas condições, altos quadros do Estado por causa dos vistos
gold, houve uma espécie de
bebedeira colectiva, a celebrar o pagode contra o poder reinante. O congresso
iria ser o triunfo da seriedade, da competência e da superação do ecce homo.
Uma semana de ante-gozo, de histerismo, de sobranceria epidérmica. Só que o
diabo troca as voltas ao destino de certos seres mortais que julgam ser deuses.
E no intervalo de um sono festivo, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Os
mesmos bailarinos que protagonizaram o triunfo do Carnaval antecipado, vestiram
os trajes do luto que só encontrou desilusão, viuvez e impropérios sociais. Afinal
alguns políticos vivem numa galáxia distante. A justiça tem sido madrasta para
muita gente que cumpre, respeita e merece ser respeitada. Mas não pode ela esconder por muito tempo, sempre os mesmos,
aqueles que já encobriu tempo a mais e que, ainda não devolveram à sociedade, o
que a sociedade teve de retirar aos cidadãos.
Barroso da Fonte
Actualizado em 2 de Janeiro de 2014
Actualizado em 2 de Janeiro de 2014
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