sábado, 29 de novembro de 2014

A feira de Vasco Pulido Valente



Vasco Pulido alente
in: jornal Público
O eng. Sócrates, depois de sete anos de primeiro-ministro, é uma figura nacionalmente conhecida. Não há um português que não tenha uma opinião sobre ele – e, quase sempre, uma opinião drástica. Foi ele o culpado, porque desde o princípio (desde secretário de Estado) nunca se distinguiu pela mansidão e pela suavidade. Arranjou guerras com toda a gente e, antes de mais nada, uma guerra que não podia ganhar com a imprensa e as televisões. Por isso, nem hoje nem daqui a um ano se deve esperar o que na aparência esperam o dr. António Costa, várias submissas personalidades do PS e os políticos que se desunham por aí a repetir os lugares-comuns sobre o amor da democracia e a separação do judicial e o executivo. O país já está farto deles. Desconfio que eles próprios estão fartos de si mesmos.
Nas tabernas, nos cafés, nas lojas, em cada casa e em cada emprego não se discutirá outra coisa senão a culpa ou a inocência de Sócrates. Ninguém lerá uma linha ou pensará um segundo nos programas dos partidos (para uma década ou para um século) ou pensará um segundo no que eles disserem sobre a salvação da Pátria. A Pátria empobrecida e sem muita esperança de enriquecer tão cedo substituiu a ideia de “enriquecer” pelo rancor aos políticos que a levaram a esta situação, venham eles de onde vierem e tragam o que trouxerem. O que o eleitorado quer é meia dúzia de bodes expiatórios – capítulo em que Sócrates, para mal dele, tirou o principal lugar a Pedro Passos Coelho. Quando se passa miséria e fome, ninguém se lembra de discutir o défice ou a maravilhosa “diminuição” do desemprego, em 2,1%.

Não existe maneira de insultar o défice ou de exaltar uma teórica descida do desemprego. Mas sem dúvida que existe maneira de aliviar a raiva insultando ou louvando uma pessoa. E a raiva irá por uns tempos mandar em Portugal. Não tardará muito que a Internet se encha de centenas de abaixo-assinados, de protestos, de cartas e até de subscrições para acudir às dificuldades da família do motorista Perna. Mais tarde ou mais cedo, os notáveis de Lisboa ou de Alvaiázere (e quem nesta terra não é notável?) não resistirão a opinar sobre o caso; e outros notáveis responderão aos primeiros com diatribes sangrentas. Acredito que Passos Coelho e António Costa se esforcem os dois para discutir problemas sérios. Resta saber quem se ralará com essa retórica petrificada e, no fundo, inútil.

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