Carlos de Matos Gomes |
A notícia de que a família Espirito Santo não
tinha um único bem em seu nome elucidou-me sobre o tipo de sociedade em que
vivemos, aonde chegámos. Juristas meus amigos garantiram-me que é perfeitamente
legal um cidadão, ou cidadã, ou uma família não ter qualquer bem em nome
próprio. Nunca tinha colocado a questão da ausência de bens no quadro da
legalidade, mas no da necessidade. Acreditava que pessoas caídas na situação de
sem-abrigo, refugiados, minorias étnicas não enquadradas como algumas
comunidades ciganas podiam não ter nada em seu nome, mas até já ouvira falar no
direito a todos os cidadãos possuírem uma conta bancária, um registo de bens,
nem que fosse para prever uma melhoria de situação no futuro. Considerava um
ato de reconhecimento da cidadania ter em seu nome o que pelo esforço, ou por
herança era seu. Chama-se a isso “património”, que tem a mesma origem de pai e
de pátria, aquilo que recebemos dos nossos antecessores e que faz parte dos
bens que constituem a entidade onde existimos.
Estes conceitos não valem para os Espirito
Santo, para estes agora desmascarados e para os da sua extracção que continuam
a não ter bens em seu nome, mas têm o nome em tantos bens, em paredes inteiras,
em tetos de edifícios, em frontarias, em supermercados, em rótulos de bebidas.
O caso da ausência de bens dos Espírito
Santo trouxe à evidência o que o senso comum nos diz dos ricos e poderosos:
vivem sobre a desgraça alheia. Até lhe espremem a miséria absoluta de nada
possuírem. Exploram-na.No caso, aproveitam a evidência de que quem nada possui
com nada poder contribuir para a sociedade para, tudo tendo, se eximirem a
participar no esforço comum dos concidadãos. Tudo dentro da legalidade e da
chulice, em bom português.
Imagino com facilidade um dos seus
advogados e corifeus, um Proença de Carvalho, por exemplo, a bramar contra a
injustiça, contra o atentado às liberdades fundamentais dos pobres a nada
terem, à violência socializante e colectivista que seria obrigar alguém a
declarar bens que utiliza para habitar, para se movimentar por terra, mar e ar,
para viver, em suma. Diria: todos somos iguais perante a lei, todos podemos não
ter nada, o nada ter é um direito fundamental. Para ter, é preciso querer, e os
Espirito Santo não querem ter, querem o direito de usar sem pagar. O mesmo
direito do invasor, do predador.
A legalidade do não registo de bens em
nome próprio para se eximir ao pagamento de impostos e fugir às
responsabilidades perante a justiça é um exemplo da perversidade do sistema
judicial e da sua natureza classista. Esta norma legaldestina-se a proteger
ricos e poderosos. Quem a fez e a mantem sabe a quem serve.Os Espirito Santo
não são gente, são empresas, são registos de conservatória,
são sociedades anónimas, são offshores com
fato e gravata que recebem rendas e dividendos, que pagam almoços e jantares.
Não são cidadãos. As cuecas de Ricardo Espirito Santo não são dele, são de uma
SA com sede no Panamá, ou no Luxemburgo.
A lingerie da madame Espirito Santo é
propriedade de um fundo de investimento de Singapura, presumo porque não sou o
contabilista.
Mas a ausência de bens registados pelos
Espirito Santos em seu nome diz também sobre a sua personalidade e o seu
carácter. A opção de se eximirem a compartilhar com os restantes portugueses os
custos de aqui habitar levanta interrogações delicadas: Serão portugueses?
Terão alguma raiz na Históriacomum do povo que aqui vive? Merecem algum respeito
e protecção deste Estado que nós sustentamos e que alguns até defenderam e
defendem com a vida?
Ao declararem que nada possuem, os
Espirito Santo assumem que não têm, além de vergonha, onde cair mortos!
O ridículo a que os Espirito Santo se
sujeitam com a declaração de nada a declarar com que passam as fronteiras e
alfândegas faz deles uns tipos que não têm onde cair mortos, uns párias.
A declaração de “nada a declarar” em meu
nome, nem da minha esposa, filhinhos e restante família dos Espirito Santo, os
Donos
Disto Tudo, também nos elucida a propósito
do pindérico capitalismo nacional: Os Donos Disto Tudo não têm onde cair mortos!
O capitalismo em Portugal não tem onde cair morto!
Resta ir perguntar pelas declarações de
bens dos Amorins, o mais rico dos donos disto, do senhor do Pingo Doce, do
engenheiro
Belmiro, dos senhores Mellos da antiga
Cuf, dos senhores Violas, dos Motas da Engil e do senhor José Guilherme da
Amadora para nos certificarmos se o capitalismo nacional se resume a uma colecção
de sem abrigo que não têm onde cair mortos! É que,se assim for, os capitalistas
portugueses, não só fazem o que é costume: explorar os pobres portugueses, como
os envergonham.
Os ricos, antigamente, mandavam construir
jazigos que pareciam basílicas para terem onde cair depois de mortos – basta
dar uma volta pelos cemitérios das cidades e vilas. Os ricos de hoje alugam um
talhão ao ano em nome de uma sociedade anónima!Os Espirito Santo, nem têm um
jazigo de família!
Eu, perante a evidência da miséria, se
fosse ao senhor presidente da República, num intervalo da hibernação em Belém,
declarava o território nacional como uma zona de refúgio de sem-abrigo, uma
vala comum e acrescentava a legenda na bandeira Nacional: “Ditosa Pátria que
tais filhos tem sem nada!”
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