Elogio Fúnebre de Péricles |
Quando
se trata o tema, devemos ter em conta o enquadramento histórico, porque para
compreendermos qualquer instituição humana devemos conhecer o seu percurso na
História – como apareceu e como evoluiu. Não por acaso o próprio Marx, um
fervoroso defensor da revolução, informou-nos que para mudar o mundo, primeiro
temos de o compreender. Assim sendo, a palavra “democracia” pode, em boa
medida, significar uma e muitas coisas, tornando-se uma palavra promiscua,
muitas vezes apenas retórica.
Se as
religiões monoteístas (que influenciaram o mundo), nasceram a Oriente. A
democracia nasce na Europa. É património europeu, tornado modernamente em
património mundial.
Primeiramente
é usada pelos gregos, exactamente por Platão e Aristóteles. Se o primeiro lhe
cerra um ataque feroz, o segundo vem em sua defesa. No grego demos, a
Democracia é tão só, a multidão, a maioria. E Kratos, significa poder.
Desta feita, Democracia seria simplesmente o poder da maioria (ou da multidão).
Platão
atacou o conceito por defender o governo dos pobres (no sentido de instrução,
educação) e ignorantes sobre os instruídos e conhecedores. Nos Diálogos,
o filósofo grego denuncia a democracia como sendo o poder da opinião sobre o
conhecimento. Ou seja, a democracia era o poder (melhor dizendo, a anarquia) da
mera opinião.
Dizia
que apenas aqueles com conhecimento filosófico estavam aptos a governar. A
excelência e a perfeição pessoal eram as virtudes ideais dos aptos para a
governação.
Aristóteles,
na Política, não rejeitou a
posição de Platão, mas alterou-a. O bom governo consistia numa mistura de
elementos. Uma minoria governava com o consentimento da maioria; mas quem
governava deveria ter excelência (arete), o conceito idealizado de
aristocracia. Muitos outros, porém, poderiam habilitar-se à cidadania por meio
de alguma educação. Considerava, no entanto, que a democracia como doutrina ou
como um ideal sem excelência era uma falácia.
Depois
dos gregos, a palavra democracia é usada pela república romana, por Maquiavel
nos seus Discursos, nos republicanos ingleses e holandeses do século
XVII e no inicio da república americana. Sem excepção, alinharam todos com a
teoria mista de Aristóteles, sobre um bom governo. Contudo, não deixaram de
salientar o apoio popular como força motriz de um Estado. Argumentavam que as
boas leis para protecção de todos não eram suficientemente boas se os sujeitos
se não tornassem cidadãos activos (como defendido pelos gregos no sentido da
liberdade) e não fizessem as suas leis colectivamente. Se o argumento moral os
aproximava do paganismo romano e do protestantismo tardio, ao defender o homem
como fazedor de coisas e não um individuo apenas obediente às leis, já o argumento
de prudência se fazia presente ao defenderem que um Estado em que o seu povo
confiava era um Estado mais forte.
A estes
sucede a Revolução Francesa (que deu origem à mortandade que se conhece) e a
obra de Rousseau. Independentemente da sua instrução ou do seu património,
todas as pessoas tinham o direito de expressar a sua vontade na coisa pública.
O bem comum (ou vontade geral) seria melhor compreendido por pessoas bem
intencionadas, simples e altruístas (pessoas normais) a partir da sua própria experiência
e consciência, do que por indivíduos instruídos e socialmente artificiais.
Finalmente,
a palavra democracia, foi utilizada na constituição americana, em bastantes
constituições europeias do século XIX (e nas constituições da Alemanha e do
Japão a seguir à Segunda Guerra Mundial), e ainda nas obras de John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville. Nestes casos,
todos podem participar caso se interessem, mas devem respeitar os direitos
iguais dos cidadãos, segundo uma ordem legal reguladora que define, protege e
limita esses mesmos direitos.
Mill,
autor de duas das mais importantes obras do mundo moderno (Essay on liberty
e Considerations on representative Government), defendia o direito de
votar a todos os adultos (incluindo as mulheres), mas só depois da instrução
secundária obrigatória ter sido instituída e ter passado tempo suficiente para
surtir efeito. Não andava muito longe do conceito de excelência de Platão e
Aristóteles.
O bom
senso impõe-nos, assim, prudência na utilização da palavra e do conceito de
democracia, sob pena de vivermos num mundo de uma “Louca festa de chá” em que
as palavras “significam o que eu digo”, como nos é recordado na obra de Lewis
Carroll.
Armando
Palavras
Post-scriptum
Quando,
passados alguns anos, tornamos a uma segunda leitura dos clássicos, algo muda
na nossa reinterpretação. Com Tocqueville aconteceu-nos isso. Hoje temos a
impressão que, de certa maneira, o escritor francês, não interpretou com toda a
correcção o inicio do século XIX americano, pois entendeu a democracia praticamente como um sinónimo de igualdade.
Não abordou, por exemplo, questões como a justiça social (relevantes para o
sistema democrático). Já A. Carnegie, em Triumphant Demcracy (um bestseller),
utilizou a palavra democracia para celebrar o empreendimento livre e móvel. Uma
sociedade de mercado de diferentes riquezas, todavia justificáveis como o
resultado do talento originado nas leis de ferro da evolução.
Hoje
estamos mais inclinados para Carnegie,
porque no conceito de liberdade está implícito o de igualdade, mas o contrário
não é verificável. Além do mais, em muitos casos, socialmente o conceito de igualdade é perverso.
Não
conhecemos, contudo, melhor interpretação sobre o ideal democrático, como a lançada
no famoso Discurso (Elogio Fúnebre) de Péricles aos seus concidadãos
atenienses, tal como foi relatado por Tucidides, na sua História da Guerra do
Peleponeso.
Actualizado a 14 de Junho
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